quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Bohemian Rhapsody (2018)


Queen é minha banda favorita de todos os tempos. Em 2010, cheguei a escrever um artigo de 20 páginas dissecando cada um dos álbuns de estúdio da banda, com exceção ao Flash Gordon, que devo ter escutado completamente umas duas vezes nos 17 anos em que conheço a banda. Por coincidência, meses após a conclusão do artigo, o guitarrista Brian May anunciou que um filme contando a trajetória da banda seria feito e que Sacha Baron Cohen, o Borat, interpretaria o saudoso vocalista Freddie Mercury. O anúncio não poderia ter me deixado mais animado.

Contudo, anos se passaram. Cohen havia desistido do papel por divergências com May e o baterista Roger Taylor, consultores criativos do projeto, pois estes queriam um filme mais leve e voltado à família enquanto o ator almejava mostrar o lado mais sombrio da banda, sobretudo de Mercury, de longe o mais complexo e problemático dos quatro integrantes – vale ressaltar que o baixista John Deacon se aposentou do showbiz em 1997 e hoje apenas ajuda a cuidar das finanças do Queen.

Outro percalço enfrentado pela produção foi a demissão do diretor Bryan Singer semanas antes da conclusão das filmagens devido a conflitos com o elenco e a equipe e o fato de sequer comparecer ao trabalho em certas ocasiões. Dexter Fletcher, seu substituto, se encarregou de completar as filmagens e montar a película, já intitulada Bohemian Rhapsody, mesmo nome da composição de Mercury que acabou se tornando o ápice musical e criativo do Queen e um dos clássicos absolutos do Rock.


A narrativa de Bohemian Rhapsody começa em 1970, quando a banda ainda se chamava Smile e era formada por May (Gwilym Lee), Taylor (Ben Hardy) e o baixista e vocalista Tim Staffell (Jack Roth). Farrokh Bulsara (Rami Malek) vai a um show da banda e, momentos depois, impressionado pela performance, tece elogios a May e Taylor, que haviam acabado de receber a notícia de que Staffell estava deixando o Smile para excursionar com outra banda que julgava mais promissora. Bulsara, que viria a ser oficialmente conhecido como Freddie Mercury, imediatamente se oferece como novo vocalista da banda, logo renomeada Queen, que contrata Deacon (Joseph Mazzello) para tocar contrabaixo e começa a excursionar pela Inglaterra, tendo que vender a van para gravar seu primeiro álbum em 1973, assinar com a EMI, tocar no Top Of The Pops, fazer modesto sucesso e gravar aquele que seria seu quarto álbum, o divisor de águas A Night At The Opera, de 1975.

Se o parágrafo acima parece apressado, é porque o primeiro ato do filme procura rapidamente estabelecer a formação da banda e sua escalada ao sucesso, já que ignora sumariamente o processo de composição e gravação de Queen II e Sheer Heart Attack, ambos de 1974, o ano mais artisticamente prolífico da carreira da banda. Além disso, há ainda vislumbres da conturbada relação de Mercury com seu pai (Ace Bhatti) e o namoro com Mary Austin (Lucy Boynton), esta que foi declaradamente a pessoa mais importante da vida de Mercury e inspiração absoluta para a magistral Love Of My Life, é abordado de forma superficial.

Daí em diante, Bohemian Rhapsody passa a sofrer do mal inverso, investindo em saltos temporais ainda maiores apenas para focar na decadência pessoal e artística do cantor, impulsionada por seu mal-intencionado empresário Paul Prenter (Allen Leech, sobrenome este que reflete bem seu personagem), que o arrasta a um mar de substâncias ilícitas e orgias homossexuais. Durante este período, seu relacionamento com os outros membros da banda também passa a deteriorar.

Prejudicando gravemente o ritmo da narrativa, os dois atos finais são arrastados e pouco interessantes. São neles em que os anacronismos ficam cada vez mais evidentes e até mesmo irritantes (Rock In Rio em 1976, We Will Rock You em 1980 e a descoberta do soropositivismo ao som de Who Wants To Live Forever em 1985, apenas para citar alguns). O roteiro, ainda que aborde a bissexualidade de Mercury claramente, acaba por transformá-lo em um ser quase unidimensional e facilmente manipulado que anseia por redenção e amor na figura de Jim Hutton (Aaron McCusker), com quem passaria os últimos anos de vida. Sabe-se que o verdadeiro Mercury possuía forte personalidade e era ditador supremo de suas ações.

Todavia, Bohemian Rhapsody, apesar de seriamente problemático, também apresenta qualidades. Os atores estão muito bem em seus devidos papéis, sobretudo Rami Malek, que encarna com precisão o visual, sotaque e trejeitos de Mercury e carrega o filme nas costas. Também digno de menção é o May interpretado por Gwilym Lee, quase idêntico ao original. As cenas que mostram o processo criativo da banda são bem interessantes, como a gravação do épico que dá nome ao filme e a tentativa de lançá-lo como single em uma reunião com o executivo da EMI, Ray Foster (Mike Myers, em uma ponta bastante divertida e que faz alusão à famosa cena do carro em Quanto Mais Idiota Melhor).

Outro ponto positivo do filme é a longa e detalhada encenação da apresentação no Live Aid, que consome os quinze minutos finais e apresenta o curto porém inesquecível show em sua quase totalidade. O palco e as performances ficaram tão bem reproduzidos que a multidão artificial no Wembley Stadium não chega a realmente incomodar.

E o que falar sobre a trilha sonora? Obviamente impecável. Queen foi uma máquina de qualitativos sucessos comerciais ao mesmo tempo em que mantinha uma veia artística forte e é raro encontrar músicas que de fato possam ser consideradas ruins em seu rico repertório. Mas não posso negar que, com exceção à Doing Alright (executada durante o show do Smile), senti falta de canções mais obscuras no filme. Há apenas menção verbal a algumas como I’m In Love With My Car, Sweet Lady e Life Is Real (Song For Lennon). Perderam a oportunidade de mostrar ao grande público composições que provavelmente apenas os fãs conhecem, como Father To Son, You Take My Breath Away, It’s Late, dentre tantas outras.

Assim sendo, após tanta meditação, chego à infeliz conclusão de que Bohemian Rhapsody está longe de ser referência cinebiográfica. O filme possui mais erros que acertos, mas pode, sim, agradar a todos os públicos, fãs ou não. Para mim, não vingou. Fico com o documentário Queen: Days Of Our Lives, este sim um relato legítimo e conciso dos britânicos.

Nota: **

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Batman: A Piada Mortal, o Filme


A História em Quadrinhos

Batman: A Piada Mortal (Batman: The Killing Joke) é uma história escrita por Alan Moore (Watchmen, V de Vingança e Do Inferno) e ilustrada por Brian Bolland (Judge Dredd e Camelot 3000), publicada em 1988 pela DC Comics. Mesmo contendo apenas 52 páginas, incluindo capa e contracapa, a HQ é considerada um clássico absoluto e um dos melhores contos de Batman e o Coringa em todos os tempos.

Na trama, Batman descobre que o Coringa fugiu novamente do Asilo Arkham, desta vez querendo provar uma teoria: “basta um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático.” Para isso, investe seus esforços no Comissário Gordon após ferir gravemente sua filha Barbara, a Batgirl. Cabe a Batman achar o Palhaço do Crime antes que seja tarde demais.

O Estudo de Personagem de Moore

Um dos grandes triunfos da graphic novel reside no desenvolvimento mais aprofundado das personalidades dos protagonistas. Moore conseguiu sintetizar, em poucas páginas e diálogos, a relação de ódio e dependência entre vilão e herói. Pela primeira vez, há uma origem mais definida para o Coringa (embora este se lembre do ocorrido de formas diferentes, podendo enganar até mesmo o leitor com seus flashbacks).

Assim como Bruce Wayne, o Palhaço do Crime também teve um dia ruim, o que mudou sua vida para sempre. Batman não sabe como o Coringa se tornou o que é, e este também não sabe o que levou aquele homem a se vestir de morcego e combater o crime em Gotham City. O que sabem é que, no fim das contas, são mais parecidos do que o Cavaleiro das Trevas gostaria de admitir: um não existe sem o outro, mas Batman sabe que, em algum momento, um deles inevitavelmente morrerá.

A Arte de Bolland

Seria injusto falar do brilhante roteiro de Moore sem mencionar a arte fabulosa criada por Bolland. O ilustrador captou a essência mais sombria e realista da estória de forma impecável, utilizando luz e sombra de formas raramente vistas em uma HQ até então. Seus traços sóbrios são quase como fotografias e sua atenção aos detalhes é um prato cheio para quem busca referências por todos os lados. Definitivamente, A Piada Mortal é fruto da parceria entre dois grandes artistas.

Adaptações para o Cinema

Alguns elementos da HQ, como a transformação do Coringa, foram adaptados por Tim Burton no filme Batman, lançado no ano seguinte. O próprio Christopher Nolan aproveitou pequenos detalhes da estória em Batman: O Cavaleiro das Trevas de 2008, no qual o Palhaço do Crime conta diferentes versões sobre como adquiriu aquela aparência.

Batman: A Piada Mortal, o Filme

Então, em 2016, a verdadeira adaptação cinematográfica de A Piada Mortal é lançada. Dirigida por Sam Liu e dublada por Kevin Conroy (Batman), Mark Hamill (Coringa), Tara Strong (Barbara Gordon) e Ray Wise (James Gordon), a animação apresenta, em seus trinta minutos iniciais, uma subtrama não incluída na HQ.

Neste extenso prólogo, há a dinâmica problemática resultante da parceria entre Batgirl (que aparece apenas como Barbara na graphic novel) e Batman, enquanto este tenta afastá-la de uma investigação a fim de protegê-la dos “encantos” do narcisista criminoso Paris Franz (Maury Sterling), sobrinho do chefe do crime Carlos Francesco (John DiMaggio).

Se por um lado é interessante ver Batgirl em ação, como foi a parceria entre os heróis e até que ponto chegaram antes dos eventos da HQ, por outro o prólogo é alongado demais e desnecessário ao filme como um todo, já que a narrativa muda quase completamente nos quarenta minutos finais, quando o Coringa entra em cena e a trama principal finalmente acontece.

A transição entre as duas narrativas (o motivo que leva Batman ao Asilo Arkham) é pouco inspirada, o que faz com que o filme pareça uma junção de dois curtas-metragens. Ponto negativo para Brian Azzarello, roteirista do projeto.

Pequenos detalhes da HQ foram alterados e novas cenas foram incluídas para realçar ainda mais as motivações do Coringa (ainda assim, é uma adaptação bem menos violenta, não fazendo jus à elevada classificação indicativa nos Estados Unidos). Há também uma cena adicional durante os créditos finais que aponta para o futuro de um dos personagens.

De forma geral, a adaptação é bastante fiel ao material de origem, embora peque por escancarar sutilezas concebidas de forma magistral por Moore e os traços genéricos da animação serem inapropriados para aquele conto sádico e violento, já que raramente remetem ao clima noir tão adequado e presente na arte de Bolland, e o desfecho em ambas as versões é um belo exemplo deste contraste.

Nota: ***

domingo, 23 de agosto de 2015

Na Mira do Chefe (In Bruges, 2008)

Certos filmes possuem uma trama tão simples que, em mãos erradas, poderiam se tornar verdadeiras bombas cinematográficas. Todavia, com um roteiro bem estruturado, atuações memoráveis e direção ímpar, o resultado pode ser primoroso e, quiçá, uma aula sobre o Cinema.


Na Mira do Chefe é um belo exemplo deste “porém”. A narrativa nos apresenta a Ray (Colin Farrell) e Ken (Brendan Gleeson), dois assassinos que trabalham para Harry (Ralph Fiennes). O jovem e ingênuo Ray, após cometer um grande erro em seu primeiro trabalho como assassino, é enviado, juntamente com o mais velho e experiente Ken, para Bruges, uma pequena cidade da Bélgica, para aguardar demais instruções de Harry. Mais tarde, aprendemos que o chefe os enviou àquela cidade para que Ray pudesse apreciar seus últimos dias de vida, antes de ser executado pelo relutante Ken.

O filme é, acima de tudo, focado no desenvolvimento de personagens, um mérito não apenas do roteiro, mas também do elenco. O tão criticado Colin Farrell, sob a direção competentíssima de Martin McDonagh (também responsável pelo roteiro), nos entrega uma performance sólida como Ray, fazendo-nos simpatizar com seu imenso sentimento de culpa. Já o veterano Brendan Gleeson não precisa de muito esforço para que acreditemos que Ken, além de culto e cavalheiro, de fato se preocupe com o bem-estar de Ray, servindo até mesmo como figura paterna para este em diversos momentos. O elenco é completado por Clémence Poésy (Chlöe, uma bela traficante com quem Ray se envolve), Jordan Prentice (Jimmy, um ator anão viciado em drogas), Jérémie Renier (Eirik, ex-namorado de Chlöe), Eric Godon (Yuri, o fornecedor de armas de Harry) e Thekla Reuten (Marie, a proprietária do hotel onde Ray e Ken estão hospedados).

Contudo, quem mais brilha na projeção é Ralph Fiennes. Seu personagem é um dos vilões mais atípicos do Cinema: Harry é um homem de princípios, capaz de raciocinar com clareza mesmo em condições adversas, como ao pedir desculpas à esposa após agredi-la verbalmente, ao reagir à estória sobre como Eirik ficou cego de um olho ou ao invadir o hotel onde Ken e Ray estão hospedados e ser abordado por Marie. Somos apresentados ao personagem aos poucos – primeiramente, através de uma mensagem transcrita por Marie para seus asseclas, passando por uma hilária conversa com Ken ao telefone e, finalmente, revelando-se ao fim do segundo ato.

Se Na Mira do Chefe foca sua narrativa em Ray, Ken e Harry e consegue a proeza de nos fazer torcer por todos eles, a real protagonista do filme é Bruges. O diretor de fotografia Eigil Bryld capturou toda a essência da pequena cidade turística, famosa por seus canais e belíssima arquitetura medieval, através de planos detalhando monumentos e geografia do lugar, além de esculturas e quadros pertinentes ao seu rico passado. Eu jamais havia visto uma localização ser tão bem utilizada para contar uma estória (não à toa, o título original leva seu nome). Fiquei encantado com a cidade logo no início da projeção e, ao fim, estava louco para conhecê-la pessoalmente.

Nota: *****

domingo, 21 de junho de 2015

Especial JURASSIC PARK


Certos filmes dos quais assistimos enquanto crianças permanecem irretocáveis em nossos corações. Outros não. Às vezes, filmes que nos marcaram naqueles primeiros anos de vida podem perder o encanto quando revisitados na fase adulta. No fim das contas, só há um jeito de saber. No caso de Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros, cada vez que o assisto é como se fosse a segunda, pois a primeira, em uma sala de cinema aos sete anos de idade, não possui equivalente.


Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993)

Dirigido por Steven Spielberg em um ano formidável em sua carreira (1993 também viu o lançamento de outra obra-prima sua, o sensacional A Lista de Schindler), Jurassic Park foi um estrondoso sucesso mundial. Permaneceu como a maior bilheteria de todos os tempos, com valores não ajustados para inflação, por quase cinco anos, até ser ultrapassado com folga por Titanic em 1998. O enorme sucesso do filme dos dinossauros se deu não apenas por sua estória e personagens envolventes, mas também por ter sido um marco da computação gráfica à época (a meu ver, juntamente com O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final, de dois anos antes) e utilizar animatronics de forma tão convincente.

A narrativa, baseada no livro homônimo de Michael Crichton, lançado em 1990, nos apresenta a John Hammond (o finado Richard Attenborough), o bilionário criador do parque e fundador da InGen, corporação responsável por “ressuscitar” os dinossauros através da manipulação genética. Após um incidente que resulta na morte de um dos funcionários, seus investidores o pressionam para que especialistas possam verificar se o parque é de fato seguro antes de poder abri-lo ao público. Para tal, Hammond contata o paleontólogo Alan Grant (Sam Neill), acompanhado de sua parceira e colega paleobotânica Ellie Sattler (Laura Dern), enquanto o advogado Donald Gennaro (Martin Ferrero), representante dos investidores de Hammond, convoca o matemático e especialista em Teoria do Caos Ian Malcolm (Jeff Goldblum). Assim sendo, os cinco partem para Isla Nublar, onde o parque é situado, enquanto Hammond mantém segredo sobre suas atividades, a fim de surpreender os demais, sobretudo Dr. Grant.

Para conseguir o aval de Grant e Malcolm, Hammond organiza um passeio pelo parque para os convidados, incluindo seus netos Lex (Ariana Richards) e Tim (Joseph Mazzello). Enquanto isso, Dennis Nedry (Wayne Knight), o analista e desenvolvedor do sistema computadorizado do parque, planeja sabotar as atividades do grupo em prol do benefício próprio. Destinados a virar comida de dino, Grant e Cia lutarão pela sobrevivência em um ambiente absolutamente hostil, enquanto Hammond, o guarda florestal Robert Muldoon (Bob Peck) e o engenheiro chefe Ray Arnold (Samuel L. Jackson) tentam restaurar o sistema e as funcionalidades do parque.

Jurassic Park é um filme recheado de cenas marcantes. A mais memorável de todas, quando o filme realmente decola, envolve a primeira aparição do T-Rex e o subsequente ataque aos carros. A ausência da trilha sonora deixa tudo muito mais tenso por dar ênfase aos sons ambientes e rugidos épicos do carnívoro. Outro momento tenso e genial envolve os ainda mais letais Velociraptors perseguindo as crianças dentro de uma cozinha – e, já que os mencionei, vale lembrar que os T-Rex e Velociraptors, embora não sejam os mesmos no decorrer dos filmes, são os reais protagonistas da franquia, e não apenas por ter a palavra Jurassic no título.

Os personagens de Sam Neill e Jeff Goldblum também merecem destaque. Grant é um homem que odeia crianças e que, por ironia do destino, ficará encarregado de proteger Lex e Tim dos perigos da ilha, o que mostra seu real caráter: acreditamos nele quando afirma “mas não é isso o que farei” ao ouvir de uma das crianças que elas foram abandonadas em uma situação de perigo. Já Malcolm é um ser extremamente racional e inteligente cujas teorias proferidas na primeira metade da projeção revelam-se fatos durante a última hora. Além de possuir um grande senso de humor, é um cafajeste nato, constantemente tentando o flerte com Ellie, ainda que na presença de Grant.

E o que dizer sobre a trilha sonora do grandioso John Williams, compositor de alguns dos temas mais famosos do Cinema (Superman, Indiana Jones, Star Wars, Tubarão, etc.)? Aqui ele entrega mais um score maravilhoso e inesquecível – me arrepio sempre que ouço o tema de Jurassic Park em qualquer um dos quatro filmes. Os efeitos especiais continuam impressionantes mesmo nos dias atuais, embora tenham sido aprimorados consideravelmente nas continuações. Independentemente, Jurassic Park, com toda sua pompa, permanece uma obra atemporal e implacável.

Nota: *****


O Mundo Perdido: Jurassic Park (The Lost World: Jurassic Park, 1997)

Devido ao sucesso de Jurassic Park, Spielberg pressionou Michael Crichton a escrever uma continuação para seu livro. Assim sendo, The Lost World chegou às livrarias em 1995, e a produção do segundo filme, também dirigido por Spielberg, logo começou. Na trama, John Hammond, já debilitado pelas inúmeras primaveras, revela a Ian Malcolm a existência da Isla Sorna – situada a 87 milhas da Isla Nublar – onde os dinossauros foram criados antes de ser transferidos para o parque. Ao ser informado sobre um furacão que acabaria por destruir o complexo da InGen na ilha, Hammond ordenou que os animais fossem soltos a fim de sobreviverem e viverem livremente, sem qualquer interferência humana. Entretanto, quatro anos depois, devido a outro incidente de gravidade menor envolvendo uma criança explorando a costa da ilha, Hammond acaba afastado do comando da InGen e seu sobrinho inescrupuloso Peter Ludlow (Arliss Howard) passa a assumir as rédeas, planejando invadir a ilha para capturar alguns espécimes e poder abrir uma nova versão do Jurassic Park em San Diego e, assim, gerar lucro e reerguer a corporação.

Para evitar que isto aconteça, Hammond pretende enviar um grupo de pessoas à Isla Sorna para poder documentar os dinossauros em seu habitat natural e assim manter a opinião pública ao seu lado, com o propósito de preservar os dinossauros e fazer desta sua chance de redenção. Malcolm, obviamente, recusa-se a retornar àquele mundo jurássico de onde quase não saiu vivo anos antes. Antecipando sua recusa, Hammond revela que já havia enviado Sarah Harding (Julianne Moore), uma paleontóloga comportamental e namorada de Malcolm, à ilha. Ele, temendo a morte da amada, se vê obrigado a resgatá-la, acompanhado do resto da equipe – o especialista em equipamento Eddie Carr (Richard Schiff) e o documentarista e ambientalista Nick Van Owen (Vince Vaughn). Kelly (Vanessa Lee Chester), filha de Malcolm, acaba indo junto sem que seu pai saiba. Na Isla Sorna, a equipe enfrentará, além de dinossauros, o vasto grupo de mercenários comandado pelo caçador Roland Tembo (Pete Postlethwaite) e supervisionado por Ludlow.

The Lost World é um filme muito diferente de Jurassic Park. É muito mais denso e sombrio e não envolve o parque do filme original (o subtítulo foi inserido apenas como estratégia de marketing). Quase todas as cenas se passam à noite (excelente trabalho de cinematografia) e o número de defuntos aqui é muito mais expressivo. Não foi feito para todas as idades e não tem tantas cenas memoráveis como no anterior. Devido a todas estas mudanças, a continuação não foi muito bem recebida à época de seu lançamento e as pessoas que preferem sempre o “mais do mesmo” continuam torcendo o nariz para ela até os dias atuais. Reassistindo The Lost World sem preconceitos para poder escrever este artigo, posso afirmar que, embora seja inferior à Jurassic Park (convenhamos, nenhum roteiro poderia ser tão bom quanto o do original), trata-se de uma sequência digna por possuir uma boa estória a contar e expandir aquele universo, tornando-o mais rico e complexo.

O tom do filme também é refletido no personagem de Jeff Goldblum – Ian Malcolm agora é um homem amargurado, em decadência profissional após tentar expor todo o horror que presenciou na Isla Nublar quatro anos antes (afinal, quem iria acreditar em um homem que diz quase ter sido comido por dinossauros?). O melhor personagem do primeiro filme perde todo o seu encanto aqui, e não digo isso como uma crítica, pois, dadas as circunstâncias, faz todo o sentido.

Steven Spielberg merece meu respeito por ter criado em The Lost World, a meu ver, uma sequência tão sensacional quanto aquela de Jurassic Park envolvendo o T-Rex e um carro. Desta vez, temos dois T-Rex e um trailer à beira de um precipício. Novamente, não há trilha sonora e a tensão é bem grande. Todavia, infelizmente os Velociraptors não foram tão bem aproveitados e suas cenas são alguns dos momentos mais fracos do filme, como a perseguição nas ruínas do complexo da InGen. O elenco não faz feio, mas gostaria de destacar Vince Vaughn, por não ter pisado na bola com um papel mais interessante e exigente do que aqueles que costuma interpretar, e Pete Postlethwaite por seu personagem ambíguo, afinal passamos boa parte da projeção sem ter certeza das reais intenções do caçador Tembo. Do primeiro filme, ainda temos uma breve aparição de Ariana Richards e Joseph Mazzello.

No fim das contas, The Lost World não é um filme perfeito, mas caso você, assim como eu, gosta de continuações diferentes (contanto que se justifiquem), tanto em tom quanto narrativa, a experiência pode acabar sendo satisfatória.

Nota: ****


Jurassic Park III (idem, 2001)

Se muitas pessoas não aprovaram The Lost World, foi com o terceiro filme que as coisas realmente ficaram feias. Spielberg transferiu a direção para Joe Johnston e as filmagens atrasaram, pois o roteiro entregue não havia agradado a ambos. Durante todo o processo de filmagem, sequer havia um roteiro pronto, o que jamais é um bom sinal. Muita coisa foi feita nas coxas.

O resultado se chama Jurassic Park III e traz de volta Alan Grant, famoso por ter sobrevivido aos acontecimentos na Isla Nublar (àquela altura do campeonato, os dinossauros já eram de conhecimento público devido aos eventos mostrados no terceiro ato do filme anterior), porém enfrentando dificuldades financeiras para continuar com suas escavações. Portanto, ele é facilmente convencido a acompanhar o rico casal Paul (William H. Macy) e Amanda Kirby (Téa Leoni) em uma turnê aérea pela Isla Sorna para poder orientá-los sobre os dinossauros da ilha. Ao chegar lá, Grant e seu colega assistente Billy Brennan (Alessandro Nivola) descobrem que se trata de uma missão de resgate, pois Erik (Trevor Morgan), filho do casal, havia desaparecido na região semanas antes. Ao terem o avião destruído em um ataque, Grant e Cia precisam achar uma forma de chegar à costa e enviar um pedido de socorro. E é isto. Esta é a sinopse de Jurassic Park III.

(Título esse que, diga-se de passagem, sequer faz sentido. Seria mais justo chamá-lo de The Lost World - Part II, já que também se passa na Isla Sorna, o que também não faria tanto sentido assim, já que aquele mundo não está mais “perdido”. Que tal Jurassic Island ou Jurassic Part III? Mas apenas divago. Pararei por aqui.)

Nada do que acontece no filme adiciona à narrativa geral da franquia, afinal as estórias daquela ilha e de Grant já haviam sido satisfatoriamente contadas e desta vez temos apenas menção a John Hammond e vemos o laboratório abandonado da InGen (Malcolm e o incidente em San Diego também são brevemente mencionados, o que prova que os roteiristas ao menos se preocuparam com continuidade). A “trama” é totalmente confinada àquele lugar e momento e é algo que já vimos antes. Embora seja cerca de 35 minutos menor do que os outros três filmes, este, sem dúvida, parece o mais longo por sua falta de ritmo – trata-se de um apanhado de sequências de ação com pausas para descanso. Jamais há a construção da tensão, tão presente em Jurassic Park e The Lost World. O dinossauro “do mal” apresentado no filme, o Spinosaurus, não chega a ser tão marcante e rouba bastante tempo de tela dos Raptors e, sobretudo, do bom e velho Rex, reduzido a uma ponta de luxo.

Voltando às cenas de ação, estas ao menos são bem estruturadas, como as ótimas sequências no aviário (envolvendo os Pteranodons) e no rio, e os efeitos especiais são, como é tradição na franquia, maravilhosos. Mas para por aqui. Um filme não se sustenta com apenas estes fatores. Com exceção feita a Sam Neill, que carrega o filme nas costas, todo o elenco, mesmo contando com nomes competentes, parece estar ali apenas pelo contracheque. Seus personagens são muito burros e sabemos quem sairá vivo dessa e quem virará presunto desde o começo. É uma pena constatar que a aparente despedida de Neill e Laura Dern (que tem duas breves aparições aqui) da franquia é muito menos honrosa do que a de Jeff Goldblum e Richard Attenborough no capítulo anterior, pois Jurassic Park III é preguiçoso, desnecessário e esquecível.

Nota: **


Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (Jurassic World, 2015)

Com o desastre que foi o filme de 2001, Spielberg decidiu tomar mais cuidado com a terceira continuação de Jurassic Park. Anos foram gastos no desenvolvimento de um roteiro decente, fazendo com que a produção e a data de lançamento do longa fossem sempre adiadas. O diretor da vez, Colin Trevorrow, era relativamente desconhecido e aparentemente inexperiente. O elenco original não retornaria. Tinha tudo para dar errado novamente, mas não foi o que aconteceu: Jurassic World chegou às telonas 14 anos após o último filme para reconquistar os fãs do original e, no processo, abocanhar o interesse de toda uma nova geração.

Jurassic World nos traz de volta à Isla Nublar após 22 anos. O parque foi finalmente aberto, atraindo visitantes de todas as partes do mundo, com um público diário estimado em vinte mil pessoas. Entretanto, os dinossauros passaram a ser banalizados, sobretudo pelas crianças, que os encaram como se fossem elefantes e veem o parque como um grande zoológico. Para aumentar o interesse do público, os cientistas da InGen, liderados pelo Dr. Henry Wu (B.D. Wong), desenvolvem um novo dinossauro, maior, mais poderoso e com mais dentes, chamado Indominus Rex, que não tarda a fugir de seu cativeiro, causando estragos e fazendo vítimas por toda a ilha, ao mesmo tempo em que os irmãos Zach (Nick Robinson) e Gray Mitchell (Ty Simpkins), sobrinhos de Claire Dearing (Bryce Dallas Howard), a chefe de operações do Jurassic World, estão desaparecidos. Para tentar encontrá-los, ela conta com a ajuda de Owen Grady (Chris Pratt), adestrador e especialista em Velociraptors.

Enquanto isso, na sala de operações, Simon Masrani (Irrfan Khan), o dono do parque, coordena missões para tentar capturar o Indominus com a assistência dos funcionários Vivian (Lauren Lapkus) e Lowery (Jake Johnson), mantendo constante contato com Claire pelo telefone. Já Vic Hoskins (Vincent D’Onofrio), o chefe de operações de segurança da InGen, pretende tirar proveito da situação para testar a lealdade dos quatro Raptors treinados por Grady, pois tem planos para transformar os espécimes em armas de combate no futuro.

Jurassic World é uma grande homenagem a Jurassic Park, trazendo inúmeras referências ao filme original e provocando a nostalgia naqueles que se maravilharam em 1993 (eu, particularmente, me senti como uma criança de sete anos de idade novamente). Sumariamente ignorando os eventos de The Lost World (que tornariam a abertura do parque impossível) e Jurassic Park III (por ser uma porcaria que todo mundo quer esquecer) e, consequentemente, a existência da Isla Sorna, o quarto filme pode até ser considerado uma continuação alternativa do original. Além de diversas menções a John Hammond, ainda temos a volta de dois personagens de Jurassic Park, sendo apenas um deles humano (Dr. Henry Wu, aqui com um pouco mais de tempo de tela – o outro personagem, embora apareça brevemente no primeiro ato, mostra a que veio apenas no épico clímax da projeção). Os Velociraptors, mal aproveitados nos dois filmes anteriores, voltam a ter um papel fundamental desta vez.

Utilizando bem mais computação gráfica do que animatronics, Jurassic World tem um visual muito convincente em boa parte do tempo. Há alguns momentos em que seu uso chega a ser óbvio demais, como nas aparições do Mosasaurus, mas que não comprometem o resultado final. Vale destacar a trilha sonora de Michael Giacchino, que cria belos temas originais além de retrabalhar aqueles inesquecíveis criados por John Williams. Já o diretor Colin Trevorrow nos lembra que inexperiência não significa necessariamente incompetência, trazendo a tensão – tão ausente no filme anterior – de volta e nos permitindo compreender o tempo-espaço em cada uma das várias cenas de ação com facilidade, sem apelar para cortes constantes, cada vez mais comuns em blockbusters de ação.

Graças à competência e carisma de Bryce Dallas Howard e Chris Pratt, a química entre os protagonistas é interessante, pois, logo em sua primeira cena juntos, já fica claro que há certa tensão sexual (e desconforto por parte da moça) entre Claire e Owen, mesmo com suas personalidades e estilos de vida tão distintos: Owen é um macho alfa acostumado a lidar com feras mortais e viver em um bangalô à beira de um precipício (talvez uma leve referência à The Lost World?), enquanto Claire é uma mulher de negócios solteira, independente e extremamente organizada que, de acordo com Owen, vê humanos e animais como números em uma planilha. Sua transformação no desenrolar da trama soa orgânica, pois ela não vira fodona de um momento ao outro. Os personagens coadjuvantes também não fazem feio, embora os irmãos Zach e Gray possam parecer irritantes a princípio.

Com o melhor terceiro ato de toda a franquia, Jurassic World resgata o prestígio que a mesma um dia teve e prepara o terreno para o futuro dos dinossauros no Cinema. Jurassic Park continua imbatível (provavelmente sempre será), mas Jurassic World, com todas as suas autocríticas, não fica muito atrás, o que já é uma grande vitória para o filme e os fãs.

Nota: *****

sábado, 16 de maio de 2015

Alta Fidelidade (High Fidelity, 2000)

Para Kíssila

Todos nós já tivemos (ou teremos) desilusões amorosas em algum momento de nossas vidas. Não considero isso um pensamento pessimista – apenas algo natural e comumente doloroso, cujo sofrimento é, todavia, necessário para nos tornar pessoas mais maduras e fortes, pois sempre aprendemos melhor através dos erros que nós mesmos cometemos, afinal somos teimosos a ponto de ignorar a tentativa e erro de outrem.


Infelizmente, este não é caso de Rob Gordon (John Cusack), o protagonista da comédia dramática Alta Fidelidade, lançada em 2000 e dirigida por Stephen Frears. Rob é o tipo de homem que parece não ter aprendido nada com seus relacionamentos anteriores, culminando no rompimento de mais um, desta vez com Laura (Iben Hjejle), parceira de longa data. Enquanto a transição final não ocorre (Laura vai aos poucos transferindo suas coisas pessoais para seu novo lar), Rob passa a se abrir para o espectador, quebrando a quarta parede constantemente para nos revelar seu Top 5 de desilusões amorosas, em ordem cronológica. Ao perceber que não está pronto para desistir de Laura, nosso anti-herói resolve entrar em contato com suas antigas namoradas a fim de tentar entender onde tudo deu errado.

Amante incondicional de Música, Rob já foi DJ e possui uma imensa coleção de discos em seu apartamento, além de ser dono de uma loja que vende estes mesmos itens. Ou deveria, pois ele e seus empregados Dick (Todd Louiso) e Barry (um ainda não tão conhecido Jack Black) não hesitam em maltratar clientes com conhecimento ocasional ou “gosto duvidoso” por Música – a 1ª Arte se faz tão presente na vida do protagonista que ele chega a reorganizar sua vasta coleção em ordem “autobiográfica”, ou seja, cronologicamente de acordo com o qual aquelas canções e álbuns marcaram sua vida, além da tendência em criar um Top 5 para tudo, mesmo para o que não tem ligação com a Música (ao menos do ponto de vista do espectador).

Enquanto Rob não tem quaisquer perspectivas para o futuro, Laura trabalha em uma firma de advocacia da qual gosta e sempre pensa adiante. Ela possui carro próprio, enquanto ele se locomove de metrô e sobrevive mês após mês com o lucro quase inexistente gerado pela loja. Ela sempre torceu por Rob, mas o próprio nunca deu o primeiro passo em busca de seus sonhos. Ele a negligenciava e a si mesmo. É claro que um relacionamento como este estava fadado ao fracasso.

Entretanto, à medida que Rob revisita seu passado e os motivos de seus fracassos prévios, o mesmo começa a ter ciência de suas limitações e imperfeições, do fato de ter passado os últimos vinte anos ainda preso à adolescência e, mais importante, do motivo de ter sido abandonado por Laura – esta, diga-se de passagem, é uma personagem com a qual podemos facilmente nos identificar, pois aceitamos suas atitudes sem ao menos questioná-las. Enquanto acompanhamos o desabafo de Rob durante todo o filme e acabamos simpatizando por sua causa, também sabemos que Laura merece uma pessoa melhor, ou um Rob amadurecido e menos egoísta.

O ótimo roteiro e seu humor inteligente foram concebidos por D.V. DeVincentis, Steve Pink, Scott Rosenberg e o próprio John Cusack a partir do livro homônimo do escritor Nick Hornby, publicado cinco anos antes. A trilha sonora cuidadosamente selecionada dentre 2.000 canções desfila variados estilos de Música, sobretudo Rock, com artistas como Elton John, The Kinks, Joan Jett & The Blackhearts, Bruce Springsteen (inclusive aparecendo em pessoa em uma ponta), Belle & Sebastian, Bob Dylan, Grand Funk Railroad, Love e The Velvet Underground.

O elenco é eficiente: era preciso um ator simpático para interpretar o aborrecido e imaturo Rob, e Cusack foi uma escolha certeira. O mesmo pode ser dito sobre Iben Hjejle, bastante agradável como Laura. Sou suspeito para falar sobre Jack Black, pois sempre o admirei como comediante e músico, e foi como o personagem Barry que Black revelou ao mundo sua veia cômica e talento ao microfone. Todd Louiso e Sara Gilbert expressam bem toda a esquisitice de Dick e Annaugh, respectivamente. Temos ainda participações menores como a de Joan Cusack (irmã de John, e suponho que no filme seja irmã de Rob) como Liz, Catherine Zeta-Jones (além de linda, não compromete aqui) como Charlie, uma das ex-namoradas de Rob, e – a melhor de todas – Tim Robbins como Ian (dar detalhes sobre seu personagem estragaria parte da experiência em assistir ao filme, mas devo dizer que a cena na qual ele visita a loja de Rob é hilária por diversos motivos).

Alta Fidelidade é, sobretudo, vitorioso em seu próprio título. É um filme sobre personagens tridimensionais para pessoas com emoções reais. Não deve ser visto durante uma dor-de-cotovelo, pois pode dar um nó em sua garganta em alguns momentos...

Pensando melhor, veja de qualquer forma. Você só tem a ganhar.

Nota: *****

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) – Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance), 2014

OBS: Não sou fã do Oscar, nunca concordei com os “requisitos” e nomeações e normalmente não tenho curiosidade em assistir aos filmes selecionados. Todavia, assisti a três deles recentemente: Whiplash: Em Busca da Perfeição, O Grande Hotel Budapeste e Birdman. Para a minha surpresa, os três filmes foram agradáveis, mas o único merecedor de um prêmio desta magnitude (na perspectiva dos envolvidos) é mesmo este que vos resenho.

O cineasta mexicano Alejandro González Iñarritu começou sua promissora carreira cinematográfica para valer com a chamada “Trilogia da Morte”, formada por Amores Brutos (2000), 21 Gramas (2003) e Babel (2006), sendo que cada um contem três narrativas distintas que se cruzam em algum momento da trama. A meu ver, o único destes filmes capaz de sustentar suas três narrativas individualmente e amarrá-las em um todo coeso é 21 Gramas (mesmo com sua montagem confusa, não linear e aparentemente aleatória). Já o superestimado Amores Brutos peca por apresentar uma envolvente primeira narrativa cuja qualidade não é mantida pela demais e a conexão estabelecida entre os personagens de Babel revela-se bastante picareta (refiro-me especialmente aos segmentos no Japão). Todavia, embora sejam filmes inferiores a 21 Gramas, estão longe de ser ruins. Ainda não assisti a Biutiful (2010) para poder formar uma opinião sobre ele.


Eis que quatro anos após seu último longa, Iñarritu retorna com Birdman... ou seu pomposo subtítulo que, apesar de fazer sentido e ser de fato mencionado na trama, provavelmente foi incluído para não confundir as pessoas – os mais desavisados podem realmente pensar que se trata de um filme de super-heróis. Michael Keaton interpreta o protagonista Riggan Thomson, um ator que, ao abandonar uma franquia cinematográfica de sucesso há mais de duas décadas, caiu no esquecimento, sendo lembrado apenas pelo personagem Birdman, o qual interpretou no auge de sua carreira. Desesperado para retornar aos holofotes e provar para o mundo que é realmente um ator digno de atenção e prestígio, Riggan não mede esforços – emocionais, físicos e financeiros – para escrever, dirigir e atuar em uma peça na Broadway como uma última esperança de reconhecimento.

Para tal feito, Riggan conta com a ajuda de Sam (Emma Stone), sua filha, recém-saída da reabilitação, quem não enxerga o próprio como um exemplo de pai e profissional, seu melhor amigo e fiel advogado Jake (Zach Galifianakis), as atrizes Lesley (Naomi Watts) e Laura (Andrea Riseborough) – com quem Riggan tem um relacionamento – além de toda a equipe. Após um “incidente” com o segundo ator masculino do elenco da peça, Lesley indica Mike (Edward Norton sendo ele mesmo) como substituto, o que causa tensão nos ensaios, já que este constantemente questiona a Riggan sobre a própria peça e suas motivações por trás dela (assim como faz Sam e a ex-mulher, Sylvia – interpretada por Amy Ryan). No meio de tudo isto está o próprio Birdman, que surge como a consciência de Riggan em certos momentos da narrativa, atormentando-o pelas escolhas quem fez durante os últimos vinte anos e por todos os problemas que enfrenta durante a produção da peça. Estes são alguns dos melhores momentos da trama e, ao testemunhar as “habilidades” de Riggan, entendemos como ele enxerga a si mesmo.

A Metalinguagem está presente em todo o filme. Birdman é claramente inspirado em Batman, o super-herói que o mesmo Michael Keaton viveu nos cinemas em 1989 e 1992 (o mesmo ano em que Riggan viveu seu personagem pela última vez). A própria voz de Birdman nos remete a do Batman da trilogia de Christopher Nolan. Edward Norton é, notoriamente, um ator tão talentoso quanto difícil, às vezes insuportável, de acordo com algumas pessoas com quem já trabalhou. Naomi Watts, por sua vez, já viveu uma aspirante a atriz no intrigante Cidade dos Sonhos (2001) e em King Kong (2005). Entretanto, a maior referência à Metalinguagem e também o grande triunfo de Birdman é sua cinematografia que, ao empregar a utilização de um aparente plano-sequência ininterrupto durante quase todo o filme, sugere que estamos assistindo a uma peça teatral sobre a vida de Riggan – as elipses também ocorrem aqui e diversos atores saem de cena para retornar posteriormente enquanto acompanhamos outros, assim como no Teatro. Magnífico trabalho de Iñarritu e do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (especialista em planos-sequência, como comprovado por obras como Filhos da Esperança, de 2006, e Gravidade, de 2013, ambos de Alfonso Cuarón, outro mexicano talentoso).

Todas as atuações estão acima da média. Destaco Emma Stone e Galifianakis, ambos atores competentes que aqui encarnam personagens diferentes dos quais estão acostumados. O filme, entretanto, é mesmo de Michael Keaton, que se entrega da mesma forma que seu personagem. Enquanto a redenção para Riggan é uma possibilidade, para Keaton, é certeza absoluta. Que volte ao patamar de onde nunca deveria ter saído. Além de sua marcante presença, da impecável cinematografia e do envolvente roteiro, o filme ainda nos brinda com um desfecho ambíguo digno de debates em mesas de bar (o qual não citarei aqui por questões éticas). Quaisquer sejam as possibilidades, só uma coisa é certa: no final, você decide.

Nota: *****

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Blade Runner: O Caçador de Androides (Blade Runner, 1982)

No início de sua carreira cinematográfica, Ridley Scott era responsável por dirigir filmes inovadores e expressivos. Já em seu segundo longa, Alien: O Oitavo Passageiro, o diretor se aventurou pela Ficção Científica em uma época ainda não tão favorável para o gênero graças à precariedade dos efeitos especiais. Três anos depois, Scott se arriscaria mais uma vez no território Sci-Fi. Blade Runner: O Caçador de Androides abandonou boa parte do suspense claustrofóbico do primeiro filme dos Xenomorfos e se estabeleceu como uma grande referência do neo noir.


Harrison Ford estava em ascensão na época. O astro havia recentemente participado de dois filmes de grande repercussão mundial: O Império Contra-Ataca e Os Caçadores da Arca Perdida. Ford, embora não tenha sido a primeira opção para o papel principal, topou participar de Blade Runner por ter se interessado pelo conceito e por querer interpretar um personagem mais denso. Convenhamos que Han Solo e Indiana Jones não são personagens tão desafiadores, ainda que extremamente cativantes.

O ambiente do filme é a Los Angeles de 2019. Os Blade Runners são policiais especializados em perseguir e “aposentar” os Replicantes, androides fisicamente semelhantes aos humanos, porém superiores em força e agilidade e aos menos tão inteligentes quanto. Os Replicantes foram criados para o trabalho escravo em colônias para explorar e colonizar outros planetas. Os modelos mais antigos tinham tempo de vida indeterminado e, quanto mais viviam, mais “humanos” se tornavam, representando uma ameaça aos humanos reais. Para evitar futuros problemas, a Tyrell Corporation, responsável pelos Replicantes, decide desenvolver as versões mais recentes, chamadas de Nexus-6, para durar apenas quatro anos.

Entretanto, ao descobrir o fato, um pequeno grupo de Replicantes Nexus-6 se rebela, matando as pessoas da colônia e posteriormente se dirigindo à Terra, onde são ilegais, a fim de encontrar Eldon Tyrell (Joe Turkel), seu criador, a única pessoa que poderia encontrar uma forma de prolongar suas vidas. Enquanto isso, somos apresentados a Rick Deckard (Ford), um Blade Runner aposentado que logo se vê forçado a voltar à ativa pelo seu antigo chefe Bryant (M. Emmet Walsh) após ser informado sobre o motim ocorrido e a iminente chegada dos Nexus-6 à Terra.

A única forma de distinguir humanos e Replicantes é através do teste Voight-Kampff, no qual o sujeito é submetido a uma série de perguntas de cunho emocional – os Replicantes não possuem memórias de infância. Para testar a máquina que auxilia no teste, Deckard se dirige à própria Tyrell Corporation e descobre que Rachael (Sean Young), a assistente de Tyrell, é também uma Replicante, cujas memórias foram implantadas a fim de convencê-la de que é uma humana. Ao saber que não é quem pensava ser, Rachael passa a temer por sua vida.

Se no início do texto mencionei que Blade Runner é um ícone do neo noir, isto se deve à fotografia fenomenal de Jordan Cronenweth – que investe em tons mais escuros e sorumbáticos – e a trilha sonora do mestre Vangelis. A direção de Scott é pontual, investindo em longos planos abertos a fim de conferir veracidade àquela Los Angeles distópica – os efeitos visuais são excelentes mesmo após décadas de inovação na área. As atuações não comprometem. Talvez a única digna de menção seja a do holandês Rutger Hauer, conferindo imponência, intelecto, perigo e loucura a Roy Batty, o líder do grupo de Replicantes. É uma pena que Hauer tenha tão pouco tempo para brilhar, já que, apesar de roubar a cena no terceiro ato, seu personagem aparece apenas em mais uma sequência durante o filme.

Blade Runner teve diversas versões. O corte que conheço é o Director’s Cut, lançado dez anos depois. Ele deixa de lado o desfecho original – o “final feliz” imposto pelo estúdio – e a narração em off de Deckard. Algumas outras inserções foram feitas para deixar o filme mais ambíguo, o que funciona perfeitamente, já que o roteiro respeita o intelecto do espectador ao deixar algumas pistas e pontas soltas. A versão original de 1982 não agradou muito o público e a crítica especializada, mas o corte de 1992 foi responsável por elevar Blade Runner ao status de filme cult, sendo considerado um dos melhores de seu tempo. Infelizmente, o ritmo lento da narrativa por vezes a torna cansativa – o que deve ser recorrente em todas as versões, que variam entre 113 e 117 minutos de duração.

Nota: ****