segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) – Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance), 2014

OBS: Não sou fã do Oscar, nunca concordei com os “requisitos” e nomeações e normalmente não tenho curiosidade em assistir aos filmes selecionados. Todavia, assisti a três deles recentemente: Whiplash: Em Busca da Perfeição, O Grande Hotel Budapeste e Birdman. Para a minha surpresa, os três filmes foram agradáveis, mas o único merecedor de um prêmio desta magnitude (na perspectiva dos envolvidos) é mesmo este que vos resenho.

O cineasta mexicano Alejandro González Iñarritu começou sua promissora carreira cinematográfica para valer com a chamada “Trilogia da Morte”, formada por Amores Brutos (2000), 21 Gramas (2003) e Babel (2006), sendo que cada um contem três narrativas distintas que se cruzam em algum momento da trama. A meu ver, o único destes filmes capaz de sustentar suas três narrativas individualmente e amarrá-las em um todo coeso é 21 Gramas (mesmo com sua montagem confusa, não linear e aparentemente aleatória). Já o superestimado Amores Brutos peca por apresentar uma envolvente primeira narrativa cuja qualidade não é mantida pela demais e a conexão estabelecida entre os personagens de Babel revela-se bastante picareta (refiro-me especialmente aos segmentos no Japão). Todavia, embora sejam filmes inferiores a 21 Gramas, estão longe de ser ruins. Ainda não assisti a Biutiful (2010) para poder formar uma opinião sobre ele.


Eis que quatro anos após seu último longa, Iñarritu retorna com Birdman... ou seu pomposo subtítulo que, apesar de fazer sentido e ser de fato mencionado na trama, provavelmente foi incluído para não confundir as pessoas – os mais desavisados podem realmente pensar que se trata de um filme de super-heróis. Michael Keaton interpreta o protagonista Riggan Thomson, um ator que, ao abandonar uma franquia cinematográfica de sucesso há mais de duas décadas, caiu no esquecimento, sendo lembrado apenas pelo personagem Birdman, o qual interpretou no auge de sua carreira. Desesperado para retornar aos holofotes e provar para o mundo que é realmente um ator digno de atenção e prestígio, Riggan não mede esforços – emocionais, físicos e financeiros – para escrever, dirigir e atuar em uma peça na Broadway como uma última esperança de reconhecimento.

Para tal feito, Riggan conta com a ajuda de Sam (Emma Stone), sua filha, recém-saída da reabilitação, quem não enxerga o próprio como um exemplo de pai e profissional, seu melhor amigo e fiel advogado Jake (Zach Galifianakis), as atrizes Lesley (Naomi Watts) e Laura (Andrea Riseborough) – com quem Riggan tem um relacionamento – além de toda a equipe. Após um “incidente” com o segundo ator masculino do elenco da peça, Lesley indica Mike (Edward Norton sendo ele mesmo) como substituto, o que causa tensão nos ensaios, já que este constantemente questiona a Riggan sobre a própria peça e suas motivações por trás dela (assim como faz Sam e a ex-mulher, Sylvia – interpretada por Amy Ryan). No meio de tudo isto está o próprio Birdman, que surge como a consciência de Riggan em certos momentos da narrativa, atormentando-o pelas escolhas quem fez durante os últimos vinte anos e por todos os problemas que enfrenta durante a produção da peça. Estes são alguns dos melhores momentos da trama e, ao testemunhar as “habilidades” de Riggan, entendemos como ele enxerga a si mesmo.

A Metalinguagem está presente em todo o filme. Birdman é claramente inspirado em Batman, o super-herói que o mesmo Michael Keaton viveu nos cinemas em 1989 e 1992 (o mesmo ano em que Riggan viveu seu personagem pela última vez). A própria voz de Birdman nos remete a do Batman da trilogia de Christopher Nolan. Edward Norton é, notoriamente, um ator tão talentoso quanto difícil, às vezes insuportável, de acordo com algumas pessoas com quem já trabalhou. Naomi Watts, por sua vez, já viveu uma aspirante a atriz no intrigante Cidade dos Sonhos (2001) e em King Kong (2005). Entretanto, a maior referência à Metalinguagem e também o grande triunfo de Birdman é sua cinematografia que, ao empregar a utilização de um aparente plano-sequência ininterrupto durante quase todo o filme, sugere que estamos assistindo a uma peça teatral sobre a vida de Riggan – as elipses também ocorrem aqui e diversos atores saem de cena para retornar posteriormente enquanto acompanhamos outros, assim como no Teatro. Magnífico trabalho de Iñarritu e do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (especialista em planos-sequência, como comprovado por obras como Filhos da Esperança, de 2006, e Gravidade, de 2013, ambos de Alfonso Cuarón, outro mexicano talentoso).

Todas as atuações estão acima da média. Destaco Emma Stone e Galifianakis, ambos atores competentes que aqui encarnam personagens diferentes dos quais estão acostumados. O filme, entretanto, é mesmo de Michael Keaton, que se entrega da mesma forma que seu personagem. Enquanto a redenção para Riggan é uma possibilidade, para Keaton, é certeza absoluta. Que volte ao patamar de onde nunca deveria ter saído. Além de sua marcante presença, da impecável cinematografia e do envolvente roteiro, o filme ainda nos brinda com um desfecho ambíguo digno de debates em mesas de bar (o qual não citarei aqui por questões éticas). Quaisquer sejam as possibilidades, só uma coisa é certa: no final, você decide.

Nota: *****

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Blade Runner: O Caçador de Androides (Blade Runner, 1982)

No início de sua carreira cinematográfica, Ridley Scott era responsável por dirigir filmes inovadores e expressivos. Já em seu segundo longa, Alien: O Oitavo Passageiro, o diretor se aventurou pela Ficção Científica em uma época ainda não tão favorável para o gênero graças à precariedade dos efeitos especiais. Três anos depois, Scott se arriscaria mais uma vez no território Sci-Fi. Blade Runner: O Caçador de Androides abandonou boa parte do suspense claustrofóbico do primeiro filme dos Xenomorfos e se estabeleceu como uma grande referência do neo noir.


Harrison Ford estava em ascensão na época. O astro havia recentemente participado de dois filmes de grande repercussão mundial: O Império Contra-Ataca e Os Caçadores da Arca Perdida. Ford, embora não tenha sido a primeira opção para o papel principal, topou participar de Blade Runner por ter se interessado pelo conceito e por querer interpretar um personagem mais denso. Convenhamos que Han Solo e Indiana Jones não são personagens tão desafiadores, ainda que extremamente cativantes.

O ambiente do filme é a Los Angeles de 2019. Os Blade Runners são policiais especializados em perseguir e “aposentar” os Replicantes, androides fisicamente semelhantes aos humanos, porém superiores em força e agilidade e aos menos tão inteligentes quanto. Os Replicantes foram criados para o trabalho escravo em colônias para explorar e colonizar outros planetas. Os modelos mais antigos tinham tempo de vida indeterminado e, quanto mais viviam, mais “humanos” se tornavam, representando uma ameaça aos humanos reais. Para evitar futuros problemas, a Tyrell Corporation, responsável pelos Replicantes, decide desenvolver as versões mais recentes, chamadas de Nexus-6, para durar apenas quatro anos.

Entretanto, ao descobrir o fato, um pequeno grupo de Replicantes Nexus-6 se rebela, matando as pessoas da colônia e posteriormente se dirigindo à Terra, onde são ilegais, a fim de encontrar Eldon Tyrell (Joe Turkel), seu criador, a única pessoa que poderia encontrar uma forma de prolongar suas vidas. Enquanto isso, somos apresentados a Rick Deckard (Ford), um Blade Runner aposentado que logo se vê forçado a voltar à ativa pelo seu antigo chefe Bryant (M. Emmet Walsh) após ser informado sobre o motim ocorrido e a iminente chegada dos Nexus-6 à Terra.

A única forma de distinguir humanos e Replicantes é através do teste Voight-Kampff, no qual o sujeito é submetido a uma série de perguntas de cunho emocional – os Replicantes não possuem memórias de infância. Para testar a máquina que auxilia no teste, Deckard se dirige à própria Tyrell Corporation e descobre que Rachael (Sean Young), a assistente de Tyrell, é também uma Replicante, cujas memórias foram implantadas a fim de convencê-la de que é uma humana. Ao saber que não é quem pensava ser, Rachael passa a temer por sua vida.

Se no início do texto mencionei que Blade Runner é um ícone do neo noir, isto se deve à fotografia fenomenal de Jordan Cronenweth – que investe em tons mais escuros e sorumbáticos – e a trilha sonora do mestre Vangelis. A direção de Scott é pontual, investindo em longos planos abertos a fim de conferir veracidade àquela Los Angeles distópica – os efeitos visuais são excelentes mesmo após décadas de inovação na área. As atuações não comprometem. Talvez a única digna de menção seja a do holandês Rutger Hauer, conferindo imponência, intelecto, perigo e loucura a Roy Batty, o líder do grupo de Replicantes. É uma pena que Hauer tenha tão pouco tempo para brilhar, já que, apesar de roubar a cena no terceiro ato, seu personagem aparece apenas em mais uma sequência durante o filme.

Blade Runner teve diversas versões. O corte que conheço é o Director’s Cut, lançado dez anos depois. Ele deixa de lado o desfecho original – o “final feliz” imposto pelo estúdio – e a narração em off de Deckard. Algumas outras inserções foram feitas para deixar o filme mais ambíguo, o que funciona perfeitamente, já que o roteiro respeita o intelecto do espectador ao deixar algumas pistas e pontas soltas. A versão original de 1982 não agradou muito o público e a crítica especializada, mas o corte de 1992 foi responsável por elevar Blade Runner ao status de filme cult, sendo considerado um dos melhores de seu tempo. Infelizmente, o ritmo lento da narrativa por vezes a torna cansativa – o que deve ser recorrente em todas as versões, que variam entre 113 e 117 minutos de duração.

Nota: ****

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Pink Floyd: The Wall (1982)

Cresci ao som do Pink Floyd dos anos 70 (com exceção da trilha sonora Obscured By Clouds, que não possuíamos em nenhum formato). Atom Heart Mother, Meddle e Animals sempre fizeram parte de minha lista de discos preferidos. Levei décadas para aceitar que Wish You Were Here é, de fato, uma obra magnífica, talvez a melhor do então quarteto formado por Roger Waters, David Gilmour, Richard Wright e Nick Mason. Os dois discos mais populares e acessíveis, The Dark Side of the Moon e a ópera-rock The Wall, também são indispensáveis, sendo que fiquei fascinado por este último por muito tempo. O disco duplo foi concebido, gravado e lançado em um período muito conturbado para a banda, quando Roger Water havia tomado as rédeas para si já há alguns anos, culminando na expulsão de Richard Wright, um dos três membros fundadores restantes da banda.


The Wall, lançado em 1979, conta a história de Pink, cujo pai morreu em combate em 1944 quando ainda era um recém-nascido, sendo criado pela mãe superprotetora e maltratado pelo professor na escola, eventualmente se tornando uma estrela do Rock, casando-se e sendo posteriormente chifrado e abandonado pela amada. Na perspectiva de Pink, cada acontecimento ruim em sua vida é apenas mais um tijolo no muro construído ao seu redor – ou seja, mais uma motivação para que ele se isole do resto do mundo cruel, em um estado mental total e confortavelmente entorpecido. Incapaz de se libertar de seu pequeno mundo e inspirado por um filme na televisão, acaba criando uma facção neonazista com centenas de seguidores a fim de combater os “males” da sociedade, até ser capturado, julgado e condenado a derrubar o muro. Há diversas interpretações sobre o destino final de Pink, mas para mim nunca ficou muito claro se ele volta ao mundo real ou se parte desta para uma melhor.


O personagem Pink foi inspirado no próprio Roger Waters, o criador do conceito da ópera-rock e que de fato perdeu o pai para a Segunda Guerra (tema novamente abordado no derradeiro disco da banda com ele, The Final Cut). Desde a concepção de The Wall, havia o projeto de um filme baseado nele. A ideia inicial era de lançá-lo com um filme-concerto, aos moldes de Live at Pompeii, aproveitando as filmagens de diversos shows da megalomaníaca turnê realizados no histórico Earls Court, além de algumas animações e cenas adicionais que seriam estreladas por Waters, que convidou o cineasta Alan Parker, fã do Pink Floyd, a dirigir o projeto. A ideia de filme-concerto foi logo descartada devido à qualidade insuficiente do material filmado em Earls Court. Waters, como ator, é um excelente músico e acabou perdendo o cargo de protagonista de sua própria história, sendo substituído pelo frontman da banda Boomtown Rats, Bob Geldof. Logo, restou ao criador transformar a história de Pink em um roteiro cinematográfico.


Três anos após o lançamento do disco, o filme Pink Floyd: The Wall finalmente é lançado. A essa altura, Richard Wright já estava fora da banda, mas sua participação no disco foi usada no filme e seu nome aparece nos créditos finais junto aos dos demais integrantes. Falando nisso, o filme quase não possui diálogos e é praticamente todo acompanhado pelas canções do bolachão – exceto The Show Must Go On e Hey You, mas com a inclusão das inéditas What Shall We Do Now? e When The Tigers Broke Free – tornando-se um longo videoclipe de 95 minutos de duração dividido em inúmeros segmentos (canções). A cinematografia é linda, com tons acinzentados e escuros que espelham a realidade daqueles tempos mórbidos e da vida de Pink. As cenas envolvendo soldados em combate e suas consequências são bem realistas e o figurino reflete bem a passagem dos anos. Outros momentos de destaque ocorrem durante a imponente abertura com In The Flesh?, passando por Another Brick In The Wall (Part II), Mother, One Of My Turns/Don’t Leave Me Now, Comfortably Numb e Waiting For The Worms.


Todavia, os melhores segmentos da película certamente são as animações, sobretudo na belíssima Goodbye Blue Sky e na excêntrica The Trial, o desfecho da narrativa. O desenhista político Gerald Scarfe, que já havia produzido um videoclipe para a canção Welcome to the Machine, além das artes do disco The Wall e algumas animações para a subsequente turnê, fez um trabalho impecável onde imagens se misturam a outras e se transformam constantemente com fluidez enquanto o artista faz duras críticas à guerra, ao abuso e à coerção, dentre diversos outros temas concernentes à natureza intrínseca do ser humano. Definitivamente não teria sido uma má decisão caso o filme todo fosse realizado apenas com o grande trabalho visual de Scarfe.


Bob Geldof também não faz feio. O músico encarnou Syd Barrett de forma impressionante (Barrett foi o primeiro guitarrista e principal compositor e cantor do Pink Floyd, até o LSD derreter seu cérebro e a banda se ver obrigada a substituí-lo por Gilmour em 1968. Ufa!), como se suas expressões e comportamentos fossem reais na tela: basta reparar ao final de One Of My Turns ou no momento em que o jovem Pink vê a si mesmo mais velho sentado em um canto de um quarto obscuro. Geldof também expressa puros momentos de “lucidez”, como ao comandar sua facção neonazista. Duvido que Waters teria feito melhor. Minha única ressalva foi seu desempenho vocal em In The Flesh? e na sua reprise. Geldof parece simplesmente avacalhar com a canção e teria sido melhor manter a voz de Waters, como na versão original.


A meu ver, o único ponto negativo de Pink Floyd: The Wall foi a exclusão de Hey You, minha canção preferida do disco e uma das melhores de toda a discografia do Floyd. Parker e Waters acharam este segmento repetitivo, já que boa parte das imagens aparecia em outros momentos do filme. Ora, que colocassem ao menos a canção nos créditos finais no lugar da fraquinha Outside the Wall (embora a versão desta seja muito, muito superior no filme). Curiosamente, nem Waters nem Alan Parker ficaram satisfeitos com o produto final. Eles e Scarfe bateram de frente durante toda a produção, jamais chegando a um consenso. Acho que se eu mesmo estivesse envolvido neste projeto, também não gostaria muito. Mas sou apenas um fã. Amo aquelas músicas. O filme se encaixou perfeitamente nelas e isso, para mim, está de bom tamanho.

Nota: *****

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Amargo Pesadelo (Deliverance, 1972)

Eu era um grande fã de Jon Voight na adolescência. Em 1998, sem as facilidades atuais que nossa querida Internet proporciona, eu havia conseguido cópias em VHS de aproximadamente 30 de seus filmes, mais da metade de todos os que ele já havia feito até então. Alguns foram maravilhosos, outros razoáveis e o resto foi pura porcaria. Um dos melhores, certamente, foi Amargo Pesadelo, do diretor John Boorman, adaptado do romance escrito e publicado pelo americano James Dickey dois anos antes.


Em um fim de semana qualquer, Lewis (Burt Reynolds), Ed (Jon Voight), Bobby (Ned Beatty) e Drew (Ronny Cox), quatro homens da cidade grande, decidem ir para os confins da Georgia a fim de descer de canoa o rio Cahulawassee, situado em uma área que logo será inundada para a construção de uma represa. O que eles esperavam ser um fim de semana repleto de aventuras e boas lembranças acaba se transformando no título – em português – da narrativa após toparem com dois caipiras habitantes daquela região.

Amargo Pesadelo é um filme tenso. É possível sentir o clima de hostilidade daquele lugar e de seus habitantes assim que os protagonistas chegam. A cena-chave da película, além de corajosa (assim como no livro, eu suponho), é bastante incômoda de se ver. O clímax ocorre durante a transição do segundo para o terceiro ato e, ainda assim, nunca há a sensação de alívio neste último. E este é um dos motivos de o filme ser especial.

Há, claro, momentos de calma antes da tempestade, como as cenas que acompanham os conhecidos em suas primeiras descidas pelo rio que, inclusive, pode ser considerado como um “quinto protagonista” da história: convidativo e, ao mesmo tempo, ameaçador, o Cahulawassee é o fio condutor de um belíssimo cenário e uma narrativa perturbadora. E o que dizer da fantástica cena envolvendo um duelo de violão e banjo, senão que é uma das mais icônicas e lembradas do Cinema, assim como a canção em si (Dueling Banjos, de Arthur Smith)?

Se utilizei a palavra “conhecidos” para me referir a Lewis, Ed, Bobby e Drew, é porque o roteiro de Boorman não os explora suficientemente. Eles são forasteiros não apenas aos olhos dos habitantes daquele lugar ou do espectador, mas também entre si. Sabem o nome um do outro, viajaram juntos, trocaram palavras, mas não são amigos – talvez com exceção a Ed e o líder Lewis, o único que realmente nos dá uma explicação para estar ali. Tenho certeza de que o filme seria ainda mais forte se soubéssemos um pouco mais sobre estes distintos homens.

Outro fator que torna o filme único para os padrões de hoje é que todos os quatro atores realmente filmaram as perigosas cenas no rio Chattooga (o real, que de fato passa pela Georgia) sem o auxílio de cabos, dublês, computadores e até mesmo seguro contra acidentes. Jon Voight escalou um penhasco de verdade. Hoje tudo seria feito em uma piscina ou parede com um imenso chroma key ao fundo. Eu pessoalmente não consigo ver tensão nisso. Nem cinema de verdade.

Nota: *****

It: Uma Obra Prima do Medo (It, 1990)

Há certos filmes que levamos anos, às vezes décadas para assistir. Em muitos casos, a expectativa só aumenta com o passar do tempo e todas as vezes nas quais amigos e familiares recomendam um mesmo filme específico. E também, em muitos casos, a melhor opção seria jamais tê-lo assistido, pois nossa imaginação de como o filme deve ser pode acabar sendo muito melhor do que o produto em si. É o caso de It: Uma Obra Prima do Medo, o qual assisti recentemente.


It é baseado na obra homônima do mestre Stephen King, publicado em 1986. A adaptação, dirigida por Tommy Lee Wallace, não foi feita para os cinemas. Trata-se de uma minissérie de televisão de apenas dois capítulos, cada um contendo 90 minutos de duração e ambos focando em um grupo de amigos chamado O Clube dos Perdedores. A primeira metade se passa nos anos 60 e introduz o grupo de heróis, os párias Bill (Jonathan Brandis), Ben (Brandon Crane), Beverly (Emily Perkins), Eddie (Adam Faraizl), Ritchie (Seth Green), Mike (Marlon Taylor) e Stan (Ben Heller). Juntos ou separados, aos poucos são atormentados pelo misterioso palhaço Pennywise (em excelente atuação do sempre divertido Tim Curry), quem matou Georgie, o irmão caçula de Bill, logo no início da narrativa. Temendo um destino cruel, os Sete Sortudos unem forças para pôr um fim ao sádico palhaço. Após o esforço, fazem um pacto: caso Pennywise retornasse, todos eles se reuniriam para combatê-lo novamente, visto o quanto eram fortes juntos.

A edição se encarrega de apresentar os personagens já crescidos ainda nesta primeira parte, quando Mike, o único membro do grupo a continuar a viver na pequena cidade de Derry, onde tudo ocorreu, descobre que Pennywise está de volta após o assassinato de uma garotinha, o que o faz entrar em contato com seus velhos amigos. Acompanhamos a reação de cada um a receber sua ligação, seguida por um flashback que retrata o primeiro contato do indivíduo com o palhaço.

Enfim, ao passar dos 90 minutos, passamos a acompanhar apenas as versões adultas dos amigos de infância, quando todos regressam e se reencontram em Derry após décadas afastados para derrotar Pennywise de uma vez por todas. E é a partir daí que o filme perde muito, muito peso. Afinal, não há como temer tanto pelas vidas de alguns marmanjos (agora, pessoas bastante insossas) quanto por aquelas de crianças inocentes, fisicamente frágeis, mas corajosas, unidas e determinadas.

O elenco infantil é forte, coeso e possui grande carisma e química. O mesmo pode ser dito de seus personagens. Os 90 minutos iniciais são um belo exercício de suspense e narrativa. Já suas versões adultas são irritantes, quase unidimensionais – respectivamente, interpretadas por Richard Thomas, John Ritter, Annette O’Toole, Dennis Christopher, Harry Anderson, Tim Reid e Richard Masur, todos fracos, ao menos aqui. Confesso que, em certos momentos, desejei que Pennywise os matasse logo, pois não torcia mais pelo Clube dos Derrotados, mas para o fim daqueles inchados e arrastados 90 minutos finais. O desfecho é tosco, tanto o clímax corrido (mesmo com todo o tempo do mundo) quanto a cena final, em uma bicicleta no centro da cidade. O que vale mesmo é a atuação intrigante de Tim Curry.

Ao menos sempre teremos a primeira parte, ou capítulo, como queiram.

Nota: ***

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Especial O BALCONISTA

Se há um cineasta que podemos chamar de “nerd-mor”, este é Kevin Smith. O diretor, produtor, roteirista, editor e ator sempre adiciona a seus filmes inúmeras referências à cultura pop através de diálogos envolvendo filmes, quadrinhos, seriados e afins. Seu primeiro filme de sucesso, O Balconista, custou menos de 30.000 dólares para ser feito e boa parte do orçamento foi obtida graças à venda de sua coleção de quadrinhos. As duas locações principais da narrativa – uma loja de conveniência e uma locadora – eram lugares onde Smith realmente trabalhou na época, provavelmente lendo muito e assistindo filmes para passar o tempo, assim acumulando muito conhecimento sobre a cultura nerd.

O Balconista (Clerks, 1994)


É uma manhã qualquer quando Dante Hicks (Brian O’Halloran) recebe uma ligação de seu chefe solicitando-o a abrir a loja de conveniência Quick Stop em seu dia de folga, pois o outro funcionário está doente e seu chefe só estará disponível ao meio-dia. Como se isso não bastasse, Dante ainda tem que lidar com o inconsequente Randal Graves (Jeff Anderson), seu amigo de longa data e funcionário da locadora ao lado, e os inúmeros problemas que este o trás. Há também a revelação “bombástica” de sua namorada Veronica (Marilyn Ghigliotti) e a descoberta de que Caitlin (Lisa Spoonhauer), sua antiga namorada e grande amor, irá se casar em breve. E, claro, a presença de clientes de todos os tipos, alguns mais inconvenientes do que outros.

Toda a trama de O Balconista é apresentada, desenvolvida e concluída no decorrer de um dia. Devido ao baixo orçamento, o filme é todo em preto e branco e depende fortemente dos personagens e diálogos para se manter, o que felizmente acontece. Há bastante espaço para explorar o caráter de Dante e Randal e a dinâmica entre eles e suas personalidades diferentes. As situações (envolvendo um jogo de hockey, um velório e sexo no banheiro, entre outras) são absurdas e os diálogos são muito envolventes e passeiam por diversos temas como sexo, Star Wars, responsabilidade para com relacionamentos, velhos conhecidos e a incerteza do futuro. Os melhores momentos são aqueles nos quais os amigos, ambos com 22 anos de idade, se questionam – e são questionados por Veronica – sobre o atual momento de suas vidas e a falta de perspectiva sobre o que acontecerá em seguida, algo que aflige muitas pessoas, eu incluso.

Passeando entre o filosófico e o hilário, O Balconista ainda nos apresenta à dupla Jay (Jason Mewes) e Silent Bob (o próprio Kevin Smith), dois amigos traficantes que passam o dia em frente à loja esperando por sua clientela. Estes dois personagens se tornariam a alma e o elo do universo cinematográfico estabelecido por Smith, que abrange seis longas – O Balconista (1994), Barrados no Shopping (1995), Procura-se Amy (1997), Dogma (1999), O Império (do Besteirol) Contra-ataca (2001) e O Balconista 2 (2006). Jay e Silent Bob são os únicos personagens presentes em todos eles, sempre interpretados por Mewes e Smith de forma absurdamente divertida.

Nota: *****

Enquanto Jay e Silent Bob aparecem em todos os filmes, eles nunca foram o foco, atuando apenas como coadjuvantes – em Procura-se Amy, a dupla aparece apenas em uma cena, na qual Silent Bob, em um dos raros momentos em que fala, exercita um belo monólogo sobre a garota do título. O protagonismo veio apenas com o quinto filme, Jay and Silent Bob Strike Back, cujo título foi porca e ridiculamente adaptado para o mercado brasileiro como O Império (do Besteirol) Contra-ataca. Planejado por Kevin Smith como um desfecho não só para a dupla como também para o universo cinematográfico iniciado em 1994, o filme – bem mediano – não apresentou um final digno, o que levou Smith a revisitar a história que começou tudo, afinal seria muito interessante saber o que aconteceu com Dante Hicks e Randal Graves após todos estes anos.

O Balconista 2 (Clerks II, 2006)


O Balconista 2 acompanha Dante e Randal dez anos após os eventos do filme original. O Quick Stop foi destruído pelo fogo um ano antes e os amigos agora trabalham na lanchonete Mooby’s. Dante, aparentemente feliz, está às vésperas de ir para a Flórida com sua noiva Emma (Jennifer Schwalbach) e começar uma vida nova, enquanto Randal sofre por seu melhor amigo estar de partida e acabar virando um pau-mandado nas mãos da esposa. Somos apresentados aos outros funcionários do Mooby’s: Elias (Trevor Fehrman), um nerd adolescente apaixonado por O Senhor dos Anéis e merdas como Transformers, sofrendo com o bullying de Randal, e Becky (Rosario Dawson), a gerente que flerta com Dante e o provoca quando ambos conversam sobre este se casar e ter todas as decisões importantes de sua vida tomadas por Emma, já que ele mesmo prefere evitar este fardo. Jay e Silent Bob continuam na mesma vida marginal e adotam a fachada do Mooby’s como seu novo local de “trabalho”.

O Balconista 2 não possui o mesmo brilho e inteligência do primeiro filme. Contudo, seu grande mérito é ser fiel a ele. Dante e Randal continuam os mesmos. Toda a trama se passa em questão de horas – com exceção do prólogo, iniciado em preto e branco, assim como em 1994, e do epílogo. Ainda temos situações absurdas (lembrem-se do jumento) e diálogos bem escritos envolvendo nerdices e reflexões sobre a vida – se no filme de 1994 Dante e Randal se questionavam sobre aquela etapa e o futuro incerto, aqui eles discorrem sobre como o tempo às vezes pode passar rápido sem ter sido aproveitado, o que também aflige muitas pessoas, eu incluso.

Para quem era jovem e acompanhou o lançamento de O Balconista no já longínquo ano de 1994, a continuação deve ter dado uma severa crise de nostalgia 12 anos depois. O Balconista 2 foi uma conclusão imensamente mais digna ao legado de Jay e Silent Bob (não estou incluindo aqui a animação Jay & Silent Bob’s Super Groovy Cartoon Movie, de 2013), além de Dante e Randal. Isto é, seria, afinal Kevin Smith, provavelmente devido aos filmes que anda dirigindo sem ter muito controle criativo, anunciou que um terceiro filme dos amigos será lançado nos próximos anos. Nos resta aguardar e torcer para que a saga continue divertida, e com momentos reflexivos.

Nota: ****

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Quase Famosos (Almost Famous, 2000)

Cameron Crowe é um cineasta apaixonado pelo Rock. Antes de se aventurar pela Sétima Arte, excursionava com bandas como Led Zeppelin, The Who, Lynyrd Skynyrd e Eagles a fim de conhecer mais a fundo a história das bandas, suas personalidades e como elas se comportavam na estrada. Era e continua sendo um editor colaborador da revista Rolling Stone, uma das mais influentes na área do jornalismo musical. Em 2000, Crowe fez um apanhado de diversas de suas experiências como crítico de Rock para realizar uma espécie de semi-autobiografia cinematográfica.


Crowe já havia demonstrado seu apreço pelo Rock em Vida de Solteiro (Singles), de 1992, cuja narrativa se passa em Seattle, durante o auge do movimento Grunge, com aparições de bandas como Alice In Chains, Soundgarden e Pearl Jam (esta última acabou ganhando um documentário em 2011 pelas mãos do próprio Crowe, Pearl Jam Twenty, ou simplesmente PJ20). Porém, em Quase Famosos, é absurdamente notável o quanto o coração de Crowe está presente em cada quadro, cada linha de diálogo e canção selecionada.

O filme narra a história de William Miller (Patrick Fugit), um adolescente genial e precoce. Somos apresentados a ele, sua irmã mais velha Anita (Zooey Deschanel, linda demais) e Elaine, sua mãe (a sempre ótima Frances McDormand). O ano é 1969 e Anita, frustrada com a forma bizarra com que Elaine tenta educar os filhos, acaba partindo, deixando sua coleção de vinis para William, que acaba se apaixonando assim que coloca Sparks, da primeira Ópera Rock do The Who, Tommy. Temos um salto de quatro anos. William, agora com 15, já é um redator da revista Cream e está prestes a concluir o colegial.

Ao conhecer pessoalmente o famoso crítico Lester Bangs (o grande Philip Seymour Hoffman, falecido no ano corrente), William é incumbido de entrevistar nada menos do que o Black Sabbath. No local do show, acaba conhecendo algumas groupies – incluindo a bela Penny Lane (Kate Hudson, em ótima atuação), por qual William acaba tendo uma queda – e a banda Stillwater. Dias depois, William recebe uma ligação de Ben Fong-Torres (Terry Chen), editor da Rolling Stone.

Desconhecendo a idade do competente jornalista, Fong-Torres o oferece uma grana preta e uma excelente oportunidade para acompanhar uma banda em turnê e escrever uma vasta matéria sobre a mesma. William, então, sugere a Stillwater, banda promissora e ainda com pouca bagagem que acabara de conhecer pessoalmente. Ele logo se vê na estrada com a banda liderada pelo irritante vocalista Jeff Bebe (Jason Lee) e o guitarrista molha-calcinha Russell Hammond (Billy Crudup), além de Penny Lane, em uma aventura que mudará sua vida e a forma com que vê o mundo.

A sinopse em três parágrafos pode parecer demais, mas, acreditem, trata-se apenas do primeiro ato do filme, que conta com duas versões: a tradicional dos cinemas, com 122 minutos, e a estendida, chamada apenas de Untitled, ou The Bootleg Cut, com 164 minutos. É desnecessário afirmar que a versão mais curta se torna obsoleta ao assistirmos aquela com mais de 40 minutos adicionais, pois nenhuma cena estendida ou incluída torna o filme cansativo. Muito pelo contrário. Temos mais estudo de personagens, diálogos maravilhosos (os melhores que já conferi em qualquer filme), e podemos entender melhor a química entre Russell e Penny.

Todo o elenco brilha em Quase Famosos, mas posso dizer que os destaques vão para Frances McDormand, Philip Seymour Hoffman e, obviamente, Kate Hudson. Não há nenhum personagem que não cumpra uma função num roteiro cheio de momentos brilhantes, quase mágicos para os amantes de Cinema (e de Rock). O humor é inteligente e pontual e contrasta muito bem com o terceiro ato, já não tão mágico aos olhos de William. A trilha sonora traz ícones do Rock dos anos 60 e 70 como Black Sabbath, Iggy Pop, Led Zeppelin, Elton John, Simon & Garfunkel, The Who, The Allman Brothers Band e Lynyrd Skynyrd, colorindo ainda mais as cenas já vívidas da projeção, que nos ensina o que é o poder da Música e até que ponto ela pode nos levar. Quase Famosos mudou minha vida. Não era nascido nos anos 70, mas os presenciei por 164 minutos.

Nota: *****