Para Kíssila
Todos nós já tivemos (ou teremos) desilusões
amorosas em algum momento de nossas vidas. Não considero isso um pensamento
pessimista – apenas algo natural e comumente doloroso, cujo sofrimento é,
todavia, necessário para nos tornar pessoas mais maduras e fortes, pois sempre aprendemos
melhor através dos erros que nós mesmos cometemos, afinal somos teimosos a
ponto de ignorar a tentativa e erro de outrem.
Infelizmente,
este não é caso de Rob Gordon (John Cusack), o protagonista da comédia
dramática Alta Fidelidade, lançada em
2000 e dirigida por Stephen Frears. Rob é o tipo de homem que parece não ter
aprendido nada com seus relacionamentos anteriores, culminando no rompimento de
mais um, desta vez com Laura (Iben Hjejle), parceira de longa data. Enquanto a
transição final não ocorre (Laura vai aos poucos transferindo suas coisas
pessoais para seu novo lar), Rob passa a se abrir para o espectador, quebrando
a quarta parede constantemente para nos revelar seu Top 5 de desilusões
amorosas, em ordem cronológica. Ao perceber que não está pronto para desistir
de Laura, nosso anti-herói resolve entrar em contato com suas antigas namoradas
a fim de tentar entender onde tudo deu errado.
Amante
incondicional de Música, Rob já foi DJ e possui uma imensa coleção de discos em
seu apartamento, além de ser dono de uma loja que vende estes mesmos itens. Ou
deveria, pois ele e seus empregados Dick (Todd Louiso) e Barry (um ainda não
tão conhecido Jack Black) não hesitam em maltratar clientes com conhecimento
ocasional ou “gosto duvidoso” por Música – a 1ª Arte se faz tão presente na
vida do protagonista que ele chega a reorganizar sua vasta coleção em ordem “autobiográfica”,
ou seja, cronologicamente de acordo com o qual aquelas canções e álbuns
marcaram sua vida, além da tendência em criar um Top 5 para tudo, mesmo para o
que não tem ligação com a Música (ao menos do ponto de vista do espectador).
Enquanto
Rob não tem quaisquer perspectivas para o futuro, Laura trabalha em uma firma
de advocacia da qual gosta e sempre pensa adiante. Ela possui carro próprio,
enquanto ele se locomove de metrô e sobrevive mês após mês com o lucro quase
inexistente gerado pela loja. Ela sempre torceu por Rob, mas o próprio nunca
deu o primeiro passo em busca de seus sonhos. Ele a negligenciava e a si mesmo.
É claro que um relacionamento como este estava fadado ao fracasso.
Entretanto,
à medida que Rob revisita seu passado e os motivos de seus fracassos prévios, o
mesmo começa a ter ciência de suas limitações e imperfeições, do fato de ter
passado os últimos vinte anos ainda preso à adolescência e, mais importante, do
motivo de ter sido abandonado por Laura – esta, diga-se de passagem, é uma
personagem com a qual podemos facilmente nos identificar, pois aceitamos suas
atitudes sem ao menos questioná-las. Enquanto acompanhamos o desabafo de Rob
durante todo o filme e acabamos simpatizando por sua causa, também sabemos que
Laura merece uma pessoa melhor, ou um Rob amadurecido e menos egoísta.
O
ótimo roteiro e seu humor inteligente foram concebidos por D.V. DeVincentis,
Steve Pink, Scott Rosenberg e o próprio John Cusack a partir do livro homônimo
do escritor Nick Hornby, publicado cinco anos antes. A trilha sonora cuidadosamente
selecionada dentre 2.000 canções desfila variados estilos de Música, sobretudo
Rock, com artistas como Elton John, The Kinks, Joan Jett & The Blackhearts,
Bruce Springsteen (inclusive aparecendo em pessoa em uma ponta), Belle &
Sebastian, Bob Dylan, Grand Funk Railroad, Love e The Velvet Underground.
O
elenco é eficiente: era preciso um ator simpático para interpretar o aborrecido
e imaturo Rob, e Cusack foi uma escolha certeira. O mesmo pode ser dito sobre Iben
Hjejle, bastante agradável como Laura. Sou suspeito para falar sobre Jack
Black, pois sempre o admirei como comediante e músico, e foi como o personagem
Barry que Black revelou ao mundo sua veia cômica e talento ao microfone. Todd
Louiso e Sara Gilbert expressam bem toda a esquisitice de Dick e Annaugh,
respectivamente. Temos ainda participações menores como a de Joan Cusack (irmã
de John, e suponho que no filme seja irmã de Rob) como Liz, Catherine
Zeta-Jones (além de linda, não compromete aqui) como Charlie, uma das
ex-namoradas de Rob, e – a melhor de todas – Tim Robbins como Ian (dar detalhes
sobre seu personagem estragaria parte da experiência em assistir ao filme, mas devo
dizer que a cena na qual ele visita a loja de Rob é hilária por diversos motivos).
Alta Fidelidade é, sobretudo, vitorioso
em seu próprio título. É um filme sobre personagens tridimensionais para
pessoas com emoções reais. Não deve ser visto durante uma dor-de-cotovelo, pois
pode dar um nó em sua garganta em alguns momentos...
Pensando
melhor, veja de qualquer forma. Você só tem a ganhar.
Nota: *****