quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Bohemian Rhapsody (2018)


Queen é minha banda favorita de todos os tempos. Em 2010, cheguei a escrever um artigo de 20 páginas dissecando cada um dos álbuns de estúdio da banda, com exceção ao Flash Gordon, que devo ter escutado completamente umas duas vezes nos 17 anos em que conheço a banda. Por coincidência, meses após a conclusão do artigo, o guitarrista Brian May anunciou que um filme contando a trajetória da banda seria feito e que Sacha Baron Cohen, o Borat, interpretaria o saudoso vocalista Freddie Mercury. O anúncio não poderia ter me deixado mais animado.

Contudo, anos se passaram. Cohen havia desistido do papel por divergências com May e o baterista Roger Taylor, consultores criativos do projeto, pois estes queriam um filme mais leve e voltado à família enquanto o ator almejava mostrar o lado mais sombrio da banda, sobretudo de Mercury, de longe o mais complexo e problemático dos quatro integrantes – vale ressaltar que o baixista John Deacon se aposentou do showbiz em 1997 e hoje apenas ajuda a cuidar das finanças do Queen.

Outro percalço enfrentado pela produção foi a demissão do diretor Bryan Singer semanas antes da conclusão das filmagens devido a conflitos com o elenco e a equipe e o fato de sequer comparecer ao trabalho em certas ocasiões. Dexter Fletcher, seu substituto, se encarregou de completar as filmagens e montar a película, já intitulada Bohemian Rhapsody, mesmo nome da composição de Mercury que acabou se tornando o ápice musical e criativo do Queen e um dos clássicos absolutos do Rock.


A narrativa de Bohemian Rhapsody começa em 1970, quando a banda ainda se chamava Smile e era formada por May (Gwilym Lee), Taylor (Ben Hardy) e o baixista e vocalista Tim Staffell (Jack Roth). Farrokh Bulsara (Rami Malek) vai a um show da banda e, momentos depois, impressionado pela performance, tece elogios a May e Taylor, que haviam acabado de receber a notícia de que Staffell estava deixando o Smile para excursionar com outra banda que julgava mais promissora. Bulsara, que viria a ser oficialmente conhecido como Freddie Mercury, imediatamente se oferece como novo vocalista da banda, logo renomeada Queen, que contrata Deacon (Joseph Mazzello) para tocar contrabaixo e começa a excursionar pela Inglaterra, tendo que vender a van para gravar seu primeiro álbum em 1973, assinar com a EMI, tocar no Top Of The Pops, fazer modesto sucesso e gravar aquele que seria seu quarto álbum, o divisor de águas A Night At The Opera, de 1975.

Se o parágrafo acima parece apressado, é porque o primeiro ato do filme procura rapidamente estabelecer a formação da banda e sua escalada ao sucesso, já que ignora sumariamente o processo de composição e gravação de Queen II e Sheer Heart Attack, ambos de 1974, o ano mais artisticamente prolífico da carreira da banda. Além disso, há ainda vislumbres da conturbada relação de Mercury com seu pai (Ace Bhatti) e o namoro com Mary Austin (Lucy Boynton), esta que foi declaradamente a pessoa mais importante da vida de Mercury e inspiração absoluta para a magistral Love Of My Life, é abordado de forma superficial.

Daí em diante, Bohemian Rhapsody passa a sofrer do mal inverso, investindo em saltos temporais ainda maiores apenas para focar na decadência pessoal e artística do cantor, impulsionada por seu mal-intencionado empresário Paul Prenter (Allen Leech, sobrenome este que reflete bem seu personagem), que o arrasta a um mar de substâncias ilícitas e orgias homossexuais. Durante este período, seu relacionamento com os outros membros da banda também passa a deteriorar.

Prejudicando gravemente o ritmo da narrativa, os dois atos finais são arrastados e pouco interessantes. São neles em que os anacronismos ficam cada vez mais evidentes e até mesmo irritantes (Rock In Rio em 1976, We Will Rock You em 1980 e a descoberta do soropositivismo ao som de Who Wants To Live Forever em 1985, apenas para citar alguns). O roteiro, ainda que aborde a bissexualidade de Mercury claramente, acaba por transformá-lo em um ser quase unidimensional e facilmente manipulado que anseia por redenção e amor na figura de Jim Hutton (Aaron McCusker), com quem passaria os últimos anos de vida. Sabe-se que o verdadeiro Mercury possuía forte personalidade e era ditador supremo de suas ações.

Todavia, Bohemian Rhapsody, apesar de seriamente problemático, também apresenta qualidades. Os atores estão muito bem em seus devidos papéis, sobretudo Rami Malek, que encarna com precisão o visual, sotaque e trejeitos de Mercury e carrega o filme nas costas. Também digno de menção é o May interpretado por Gwilym Lee, quase idêntico ao original. As cenas que mostram o processo criativo da banda são bem interessantes, como a gravação do épico que dá nome ao filme e a tentativa de lançá-lo como single em uma reunião com o executivo da EMI, Ray Foster (Mike Myers, em uma ponta bastante divertida e que faz alusão à famosa cena do carro em Quanto Mais Idiota Melhor).

Outro ponto positivo do filme é a longa e detalhada encenação da apresentação no Live Aid, que consome os quinze minutos finais e apresenta o curto porém inesquecível show em sua quase totalidade. O palco e as performances ficaram tão bem reproduzidos que a multidão artificial no Wembley Stadium não chega a realmente incomodar.

E o que falar sobre a trilha sonora? Obviamente impecável. Queen foi uma máquina de qualitativos sucessos comerciais ao mesmo tempo em que mantinha uma veia artística forte e é raro encontrar músicas que de fato possam ser consideradas ruins em seu rico repertório. Mas não posso negar que, com exceção à Doing Alright (executada durante o show do Smile), senti falta de canções mais obscuras no filme. Há apenas menção verbal a algumas como I’m In Love With My Car, Sweet Lady e Life Is Real (Song For Lennon). Perderam a oportunidade de mostrar ao grande público composições que provavelmente apenas os fãs conhecem, como Father To Son, You Take My Breath Away, It’s Late, dentre tantas outras.

Assim sendo, após tanta meditação, chego à infeliz conclusão de que Bohemian Rhapsody está longe de ser referência cinebiográfica. O filme possui mais erros que acertos, mas pode, sim, agradar a todos os públicos, fãs ou não. Para mim, não vingou. Fico com o documentário Queen: Days Of Our Lives, este sim um relato legítimo e conciso dos britânicos.

Nota: **