Cresci
ao som do Pink Floyd dos anos 70 (com exceção da trilha sonora Obscured By Clouds, que não possuíamos
em nenhum formato). Atom Heart Mother,
Meddle e Animals sempre fizeram parte de minha lista de discos preferidos. Levei
décadas para aceitar que Wish You Were
Here é, de fato, uma obra magnífica, talvez a melhor do então quarteto
formado por Roger Waters, David Gilmour, Richard Wright e Nick Mason. Os dois
discos mais populares e acessíveis, The
Dark Side of the Moon e a ópera-rock The
Wall, também são indispensáveis, sendo que fiquei fascinado por este último
por muito tempo. O disco duplo foi concebido, gravado e lançado em um período
muito conturbado para a banda, quando Roger Water havia tomado as rédeas para
si já há alguns anos, culminando na expulsão de Richard Wright, um dos três
membros fundadores restantes da banda.
The Wall, lançado em 1979, conta a
história de Pink, cujo pai morreu em combate em 1944 quando ainda era um recém-nascido,
sendo criado pela mãe superprotetora e maltratado pelo professor na escola,
eventualmente se tornando uma estrela do Rock, casando-se e sendo
posteriormente chifrado e abandonado pela amada. Na perspectiva de Pink, cada
acontecimento ruim em sua vida é apenas mais um tijolo no muro construído ao
seu redor – ou seja, mais uma motivação para que ele se isole do resto do mundo
cruel, em um estado mental total e confortavelmente entorpecido. Incapaz de se
libertar de seu pequeno mundo e inspirado por um filme na televisão, acaba
criando uma facção neonazista com centenas de seguidores a fim de combater os “males”
da sociedade, até ser capturado, julgado e condenado a derrubar o muro. Há
diversas interpretações sobre o destino final de Pink, mas para mim nunca ficou
muito claro se ele volta ao mundo real ou se parte desta para uma melhor.
O
personagem Pink foi inspirado no próprio Roger Waters, o criador do conceito da
ópera-rock e que de fato perdeu o pai para a Segunda Guerra (tema novamente
abordado no derradeiro disco da banda com ele, The Final Cut). Desde a concepção de The Wall, havia o projeto de um filme baseado nele. A ideia inicial
era de lançá-lo com um filme-concerto, aos moldes de Live at Pompeii, aproveitando as filmagens de diversos shows da megalomaníaca
turnê realizados no histórico Earls Court, além de algumas animações e cenas
adicionais que seriam estreladas por Waters, que convidou o cineasta Alan
Parker, fã do Pink Floyd, a dirigir o projeto. A ideia de filme-concerto foi
logo descartada devido à qualidade insuficiente do material filmado em Earls
Court. Waters, como ator, é um excelente músico e acabou perdendo o cargo de
protagonista de sua própria história, sendo substituído pelo frontman da banda Boomtown Rats, Bob
Geldof. Logo, restou ao criador transformar a história de Pink em um roteiro
cinematográfico.
Três
anos após o lançamento do disco, o filme Pink
Floyd: The Wall finalmente é lançado. A essa altura, Richard Wright já estava
fora da banda, mas sua participação no disco foi usada no filme e seu nome
aparece nos créditos finais junto aos dos demais integrantes. Falando nisso, o
filme quase não possui diálogos e é praticamente todo acompanhado pelas canções
do bolachão – exceto The Show Must Go On e
Hey You, mas com a inclusão das
inéditas What Shall We Do Now? e When The Tigers Broke Free – tornando-se
um longo videoclipe de 95 minutos de duração dividido em inúmeros segmentos
(canções). A cinematografia é linda, com tons acinzentados e escuros que
espelham a realidade daqueles tempos mórbidos e da vida de Pink. As cenas
envolvendo soldados em combate e suas consequências são bem realistas e o
figurino reflete bem a passagem dos anos. Outros momentos de destaque ocorrem durante a imponente abertura com In The Flesh?, passando por Another Brick In The Wall (Part II), Mother, One Of My Turns/Don’t Leave Me Now, Comfortably Numb e Waiting
For The Worms.
Todavia,
os melhores segmentos da película certamente são as animações, sobretudo na
belíssima Goodbye Blue Sky e na excêntrica The Trial, o desfecho da
narrativa. O desenhista político Gerald Scarfe, que já havia produzido um
videoclipe para a canção Welcome to the
Machine, além das artes do disco The
Wall e algumas animações para a subsequente turnê, fez um trabalho
impecável onde imagens se misturam a outras e se transformam constantemente com
fluidez enquanto o artista faz duras críticas à guerra, ao abuso e à coerção,
dentre diversos outros temas concernentes à natureza intrínseca do ser humano. Definitivamente
não teria sido uma má decisão caso o filme todo fosse realizado apenas com o
grande trabalho visual de Scarfe.
Bob
Geldof também não faz feio. O músico encarnou Syd Barrett de forma impressionante (Barrett
foi o primeiro guitarrista e principal compositor e cantor do Pink Floyd, até o
LSD derreter seu cérebro e a banda se ver obrigada a substituí-lo por Gilmour
em 1968. Ufa!), como se suas expressões e comportamentos fossem reais na tela:
basta reparar ao final de One Of My Turns
ou no momento em que o jovem Pink vê a si mesmo mais velho sentado em um canto
de um quarto obscuro. Geldof também expressa puros momentos de “lucidez”, como
ao comandar sua facção neonazista. Duvido que Waters teria feito melhor. Minha
única ressalva foi seu desempenho vocal em In
The Flesh? e na sua reprise. Geldof parece simplesmente avacalhar com a
canção e teria sido melhor manter a voz de Waters, como na versão original.
A
meu ver, o único ponto negativo de Pink
Floyd: The Wall foi a exclusão de Hey
You, minha canção preferida do disco e uma das melhores de toda a
discografia do Floyd. Parker e Waters acharam este segmento repetitivo, já que
boa parte das imagens aparecia em outros momentos do filme. Ora, que colocassem
ao menos a canção nos créditos finais no lugar da fraquinha Outside the Wall (embora a versão desta
seja muito, muito superior no filme). Curiosamente, nem Waters nem Alan Parker
ficaram satisfeitos com o produto final. Eles e Scarfe bateram de frente
durante toda a produção, jamais chegando a um consenso. Acho que se eu mesmo estivesse
envolvido neste projeto, também não gostaria muito. Mas sou apenas um fã. Amo
aquelas músicas. O filme se encaixou perfeitamente nelas e isso, para mim, está
de bom tamanho.
Nota: *****