quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Pink Floyd: The Wall (1982)

Cresci ao som do Pink Floyd dos anos 70 (com exceção da trilha sonora Obscured By Clouds, que não possuíamos em nenhum formato). Atom Heart Mother, Meddle e Animals sempre fizeram parte de minha lista de discos preferidos. Levei décadas para aceitar que Wish You Were Here é, de fato, uma obra magnífica, talvez a melhor do então quarteto formado por Roger Waters, David Gilmour, Richard Wright e Nick Mason. Os dois discos mais populares e acessíveis, The Dark Side of the Moon e a ópera-rock The Wall, também são indispensáveis, sendo que fiquei fascinado por este último por muito tempo. O disco duplo foi concebido, gravado e lançado em um período muito conturbado para a banda, quando Roger Water havia tomado as rédeas para si já há alguns anos, culminando na expulsão de Richard Wright, um dos três membros fundadores restantes da banda.


The Wall, lançado em 1979, conta a história de Pink, cujo pai morreu em combate em 1944 quando ainda era um recém-nascido, sendo criado pela mãe superprotetora e maltratado pelo professor na escola, eventualmente se tornando uma estrela do Rock, casando-se e sendo posteriormente chifrado e abandonado pela amada. Na perspectiva de Pink, cada acontecimento ruim em sua vida é apenas mais um tijolo no muro construído ao seu redor – ou seja, mais uma motivação para que ele se isole do resto do mundo cruel, em um estado mental total e confortavelmente entorpecido. Incapaz de se libertar de seu pequeno mundo e inspirado por um filme na televisão, acaba criando uma facção neonazista com centenas de seguidores a fim de combater os “males” da sociedade, até ser capturado, julgado e condenado a derrubar o muro. Há diversas interpretações sobre o destino final de Pink, mas para mim nunca ficou muito claro se ele volta ao mundo real ou se parte desta para uma melhor.


O personagem Pink foi inspirado no próprio Roger Waters, o criador do conceito da ópera-rock e que de fato perdeu o pai para a Segunda Guerra (tema novamente abordado no derradeiro disco da banda com ele, The Final Cut). Desde a concepção de The Wall, havia o projeto de um filme baseado nele. A ideia inicial era de lançá-lo com um filme-concerto, aos moldes de Live at Pompeii, aproveitando as filmagens de diversos shows da megalomaníaca turnê realizados no histórico Earls Court, além de algumas animações e cenas adicionais que seriam estreladas por Waters, que convidou o cineasta Alan Parker, fã do Pink Floyd, a dirigir o projeto. A ideia de filme-concerto foi logo descartada devido à qualidade insuficiente do material filmado em Earls Court. Waters, como ator, é um excelente músico e acabou perdendo o cargo de protagonista de sua própria história, sendo substituído pelo frontman da banda Boomtown Rats, Bob Geldof. Logo, restou ao criador transformar a história de Pink em um roteiro cinematográfico.


Três anos após o lançamento do disco, o filme Pink Floyd: The Wall finalmente é lançado. A essa altura, Richard Wright já estava fora da banda, mas sua participação no disco foi usada no filme e seu nome aparece nos créditos finais junto aos dos demais integrantes. Falando nisso, o filme quase não possui diálogos e é praticamente todo acompanhado pelas canções do bolachão – exceto The Show Must Go On e Hey You, mas com a inclusão das inéditas What Shall We Do Now? e When The Tigers Broke Free – tornando-se um longo videoclipe de 95 minutos de duração dividido em inúmeros segmentos (canções). A cinematografia é linda, com tons acinzentados e escuros que espelham a realidade daqueles tempos mórbidos e da vida de Pink. As cenas envolvendo soldados em combate e suas consequências são bem realistas e o figurino reflete bem a passagem dos anos. Outros momentos de destaque ocorrem durante a imponente abertura com In The Flesh?, passando por Another Brick In The Wall (Part II), Mother, One Of My Turns/Don’t Leave Me Now, Comfortably Numb e Waiting For The Worms.


Todavia, os melhores segmentos da película certamente são as animações, sobretudo na belíssima Goodbye Blue Sky e na excêntrica The Trial, o desfecho da narrativa. O desenhista político Gerald Scarfe, que já havia produzido um videoclipe para a canção Welcome to the Machine, além das artes do disco The Wall e algumas animações para a subsequente turnê, fez um trabalho impecável onde imagens se misturam a outras e se transformam constantemente com fluidez enquanto o artista faz duras críticas à guerra, ao abuso e à coerção, dentre diversos outros temas concernentes à natureza intrínseca do ser humano. Definitivamente não teria sido uma má decisão caso o filme todo fosse realizado apenas com o grande trabalho visual de Scarfe.


Bob Geldof também não faz feio. O músico encarnou Syd Barrett de forma impressionante (Barrett foi o primeiro guitarrista e principal compositor e cantor do Pink Floyd, até o LSD derreter seu cérebro e a banda se ver obrigada a substituí-lo por Gilmour em 1968. Ufa!), como se suas expressões e comportamentos fossem reais na tela: basta reparar ao final de One Of My Turns ou no momento em que o jovem Pink vê a si mesmo mais velho sentado em um canto de um quarto obscuro. Geldof também expressa puros momentos de “lucidez”, como ao comandar sua facção neonazista. Duvido que Waters teria feito melhor. Minha única ressalva foi seu desempenho vocal em In The Flesh? e na sua reprise. Geldof parece simplesmente avacalhar com a canção e teria sido melhor manter a voz de Waters, como na versão original.


A meu ver, o único ponto negativo de Pink Floyd: The Wall foi a exclusão de Hey You, minha canção preferida do disco e uma das melhores de toda a discografia do Floyd. Parker e Waters acharam este segmento repetitivo, já que boa parte das imagens aparecia em outros momentos do filme. Ora, que colocassem ao menos a canção nos créditos finais no lugar da fraquinha Outside the Wall (embora a versão desta seja muito, muito superior no filme). Curiosamente, nem Waters nem Alan Parker ficaram satisfeitos com o produto final. Eles e Scarfe bateram de frente durante toda a produção, jamais chegando a um consenso. Acho que se eu mesmo estivesse envolvido neste projeto, também não gostaria muito. Mas sou apenas um fã. Amo aquelas músicas. O filme se encaixou perfeitamente nelas e isso, para mim, está de bom tamanho.

Nota: *****

4 comentários:

  1. Por anos pensei se o unico trabalho do Floyd e que sem o Walters, o resto era resto. Tststst sabia de bada inocente.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Cleber, sempre considerei a parceria Waters/Gilmour o principal pilar da banda, tanto que quase não gosto da fase Barrett e acho a fase pós-Waters apenas boa, mas nada demais, exceto algumas grandes músicas, como a épica High Hopes.

      Excluir
  2. Muito bom! Também cresci ao som destas músicas, mas na verdade curtia a loucura dos sons sem entender nada, agora posso ouvi-las sobre outra ótica. Maravilhoso seu comentário!! Manda mais de outras bandas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fico feliz que tenha gostado! Infelizmente, como este é um espaço sobre Cinema em geral, não será tão frequentemente que bandas serão abordadas, mas fique sempre ligada no blog. Quando você menos esperar, haverá uma nova resenha unindo Rock e Cinema. Até lá, você pode conferir os textos sobre os filmes The Doors e Quase Famosos já publicados. Abraço!

      Excluir