Adaptações cinematográficas inspiradas em
obras literárias ou histórias em quadrinhos sempre dividiram opiniões e sempre
dividirão. Grande parte das pessoas afirma não gostar da película porque os
responsáveis pelo roteiro e direção excluíram ou alteraram muitos elementos do
material de origem. Eu acho isso ridículo. Para mim, um filme deveria funcionar
e ser analisado como algo independente. E daí que seja diferente ou “incompleto”?
Se funciona, por que não? Às vezes, um filme pode se beneficiar por ser mais
objetivo e eficiente do que um material impresso. Muita gente já discordou de
mim quando eu afirmava que tal filme era muito bom. Eles me acusavam de não
conhecer o material original. De fato, não sou uma pessoa dos livros ou HQs,
logo posso avaliar um filme sem preconceitos, sem comparações. Para mim, ou
presta, ou não presta.
Sin City: A Cidade do Pecado (Sin City,
2005)
Felizmente,
para os mais chatos, Sin City: A Cidade
do Pecado é a adaptação perfeita. Os quadrinhos parecem ter ganhado vida
graças ao emprego do chroma key, em
que os atores trabalham diante de um fundo azul ou verde para, na pós-produção,
um cenário ser adicionado e dar vida à ambientação. Robert Rodriguez, por mais
que não seja um dos melhores diretores da atualidade, se supera neste filme, codirigido
por Frank Miller, o autor das HQs. Rodriguez fez um excelente trabalho cinematográfico,
empregando a luz com eficiência para contrastar o preto e o branco
predominantes na projeção (com apenas alguns detalhes coloridos) que, aliado a
narração em off dos personagens, dá a
cara de film noir que o projeto exige.
Sin City conta quatro histórias: a
primeira, The Customer Is Always Right,
serve como prólogo e epílogo e foca no Vendedor (Josh Hartnett), um assassino profissional.
É a história mais curta, com apenas 3 ou 4 minutos de duração. A segunda, That Yellow Bastard, é protagonizada por
John Hartigan (Bruce Willis), um policial honesto que se vê obrigado a se aposentar
após descobrir que tem problemas cardíacos, mas não antes de solucionar um caso
envolvendo uma garota de 11 anos chamada Nancy (Makenzie Vega) e Roark Jr.
(Nick Stahl), assassino pedófilo, filho do homem mais poderoso de Basin City,
Senador Roark (Powers Boothe, em uma ponta interessante e que viria mostrar serviço
no segundo filme). Esta história é interrompida e retomada ao final do filme,
assim como a primeira.
O
filme segue com The Hard Goodbye,
provavelmente a melhor de todas. Nela, acompanhamos o brutamontes Marv (Mickey
Rourke, em um papel que nasceu para interpretar), com seu aparente problema de
memória, investigando sobre o assassinato de Goldie (Jaime King), sua transa da
noite anterior, matando e torturando suspeitos dia e noite a fim de descobrir quem são os
responsáveis. Mais tarde, Nancy aparece adulta, já interpretada por Jessica
Alba.
The Big Fat Kill tem como foco Dwight
McCarthy (Clive Owen, sempre carismático) após ter adquirido um novo rosto. Ao
se meter em um grande problema em Old Town (a zona das primas), Dwight tem que
correr contra o tempo para evitar que o lugar, controlado pelas putas, volte a
ser dominado pela polícia, pela máfia e pelos cafetões. Em seu auxílio estão
Gail (a maravilhosa Rosario Dawson), a chefe do bando, molhadinha por Dwight, e
a pequena e letal Miho (Devon Aoki), a maior protetora de Old Town,
especializada em fatiar filhos da puta. Benicio del Toro rouba a cena com seu
personagem Jackie Boy. Dois dos atores em The
Big Fat Kill já apresuntaram. São eles Brittany Murphy (interpretando
Shellie, namorada de Dwight) e Michael Clarke Duncan (como Manute, o gigante
torturador que trabalha a favor do caos em Old Town).
Por
mais que eu goste de algumas histórias mais do que de outras, aqui temos 124
minutos de consistência narrativa e personagens envolventes (meus preferidos
são Marv e Dwight), além de uma aula de técnica cinematográfica. Não há um
minuto cansativo em Sin City: A Cidade do
Pecado.
Nota: *****
Sin City: A Dama Fatal (Sin City: A Dame to Kill For, 2014)
É
óbvio que todo o sucesso de público e crítica do primeiro Sin City despertou nos realizadores a vontade de produzir uma
continuação: A Dama Fatal. Contudo, os 9 anos que separam o lançamento dos dois filmes foram o grande problema. Algumas
pessoas – público e elenco – perderam o interesse na continuação ao longo dos
anos e, mesmo com quase uma década de planejamento, o filme foi feito às
pressas após ser finalmente oficializado em 2012.
Novamente,
temos quatro histórias. Just Another
Saturday Night traz Marv em ação novamente, tentando juntar os fragmentos
de sua memória para desvendar o que houve e como ele chegou até ali. Esta
história serve apenas como uma introdução ao filme, já que não passa dos 5
minutos de duração e deixa aquela sensação de assunto inacabado. Mas, acredite
se quiser, é o melhor momento do filme.
Logo
em seguida temos The Long Bad Night,
escrita por Frank Miller especialmente para o filme e que traz um novo
personagem, o jogador Johnny (Joseph Gordon Levitt), decidido a enfrentar e
derrotar o Senador Roark num jogo de pôquer. Ele apenas não tem noção das
consequências de derrotar o homem mais poderoso da cidade. Infelizmente, esta história me deixou com sensação de coito interrompido por duas vezes –
quando ela dá lugar a A Dame To Kill For e, quando retomada, é finalizada de forma insatisfatória e
abrupta. O que realmente vale a pena é a presença mais proeminente do
personagem de Powers Boothe e a ponta divertida de Christopher Lloyd como um “médico”
viciado.
A Dame To Kill For é a história
principal e mais longa, que também dá nome ao filme. Aqui acompanhamos Dwight
antes de sua cirurgia (logo, interpretado por outro ator, o não tão carismático
Josh Brolin), atormentado pela volta de um amor do passado, Ava Lord (Eva
Green, aparentemente atuando melhor pelada). Temos a volta de Manute
(interpretado aqui por Dennis Haysbert), Gail e Miho (Jaime Chung, misteriosamente
substituindo Devon Aoki), além de uma ajudinha do Marv – presente, de uma forma
ou outra, em todas as histórias. A Dame
To Kill For consome praticamente metade dos já reduzidos 102 minutos de
projeção, mesmo com uma trama um tanto desinteressante e arrastada. Má
decisão de Rodriguez e Miller.
Para
finalizar, temos Nancy’s Last Dance,
a outra história escrita por Miller para o filme. Ela basicamente continua de
onde That Yellow Bastard, do filme
anterior, parou. Portanto, contar a sinopse seria impossível sem alguns spoilers. Jessica Alba parece estar em
uma novela mexicana, pensando alto enquanto não há mais ninguém no recinto. Não
entendo o porquê de o recurso da narração em off não ser empregado aqui. Talvez seja destinado apenas aos
personagens masculinos. Marv novamente quebra o galho, o que resulta em um
problema de continuidade. Afinal, em The
Hard Goodbye, a impressão que dá é que aquela foi a última vez na qual os
dois personagens se encontraram. Além deste equívoco, Nancy’s Last Dance parece ter sido escrita apenas com o intuito de
amarrar pontas soltas de forma preguiçosa. Poderia render uma boa
narrativa de 40 ou 45 minutos. Ao menos temos Jessica Alba rebolando em roupas mínimas.
Sin City: A Dama Fatal é fiel ao seu
sucessor. O visual, os personagens, boa parte dos atores – está tudo lá.
Contudo, com tantas histórias insossas, não tem metade do impacto ou qualidade
de A Cidade do Pecado. Aparentemente,
pelo que o histórico de desenvolvimento deste filme e o produto final nos
mostraram, é quase impossível imaginar um prosseguimento desta série
cinematográfica, o que é uma pena.
Nota: **
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